Não foi um 7 a 1, mas a Alemanha também viveu seu vexame particular antes de tornar-se campeã mundial. E ela tem lições a dar ao Brasil. A revolução interna que fez os germânicos dominarem o futebol passa pela implantação de uma filosofia única na base e paciência. Muita paciência.
Os fracassos que motivaram os alemães foram a derrota para a Croácia nas quartas da Copa de 1998 (3 a 0) e a eliminação na primeira fase da Eurocopa de 2000, com apenas um empate em três jogos. A partir daí, a CBF deles, a DFB, convocou os clubes e iniciou o processo de mudança.
"O futebol no país mudou muito com a mudança na lei dos estrangeiros, na década de 1990, que permitiu a contratação de vários jogadores de outros países. Existia uma necessidade de se aprimorar a formação dos jogadores. O presidente da DFB chamou os presidentes de clubes e criou um método que seria seguido por todos e que culminaria na geração que ganhou a Copa", disse Oliver Hartmann, jornalista alemão da revista Kicker.
O repórter explica que os dirigentes beberam na fonte de países como Espanha e França, que tinham centro de treinamento exclusivos para suas seleções, mas não se limitaram a isso. A ideia era modificar o modelo de jogador que os clubes formam em suas categorias de base. Para isso, criaram uma metodologia a ser aplicada nas escolas de técnicos do país, que levariam essa teoria para os campos.
"O processo de detecção de talentos na Alemanha não é muito diferente do Brasil, acontece nas escolas. O que difere é o conteúdo repassado, que é ensinado de forma praticamente padrão, devido à formação padrão dos técnicos. Esse fato propicia um desenvolvimento homogêneo e eficiente. A ideia inicial do projeto era colher frutos em dez anos, ou seja, qualificar a próxima geração. O resultado é essa nova safra de jogadores como Mario Götze, Andre Schürlle, Thomas Müller, Marco Reus e outros tantos", disse explicou Fabio Eidelwein, brasileiro que cursou a escola de técnicos do país e hoje trabalha no futebol tailandês, em entrevista à "Universidade do Futebol".
"Me lembro que tinham reuniões de cada representante da base de cada clube a cada 60 dias. O que se comentava é que iam implantar esse sistema geral em todos os clubes, para que quando ele chegasse na seleção principal todos estivessem com o mesmo objetivo", relembra Lincoln, meia que atuou na Alemanha de 2001 a 2007.
As diretrizes técnicas partiam da cúpula da DFB e estavam relacionadas aos interesses da seleção, objetivo final do processo. Hartmann ressalta que Klinsmann trouxe muitas novidades ao projeto quando assumiu a Alemanha em 2004, com Joachim Low, atual treinador do time, como assistente-técnico.
"É muito importante falar que em 2006 sai o Klinsmann e entra um técnico que conhecia esses jogadores. E esse trabalho continuou dando sequência. São 12 anos de trabalho de valorização dos atletas. Colheu os frutos desses 12 anos visando a reestruturação dos atletas", disse Paulo Sérgio, que jogou na Alemanha entre 1993 e 1997 e depois de 1999 a 2002, essa última passagem no Bayern de Munique.
E onde o Brasil entra nessa história? Como a Alemanha, o tradicional país questiona a qualidade dos seus jogadores e do futebol praticado no país, que reflete em maus resultados da seleção. A revolução tupiniquim não precisa, vale ressaltar, seguir os mesmos parâmetros dos germânicos.
"Eu não acho que o Brasil precise copiar a Alemanha, embora eu não conheça o seu país para dizer o que exatamente poderia ser feito. Até porque o modelo da Alemanha já não é necessariamente o melhor. Joachim Low, por exemplo, está olhando com muita atenção para a Bélgica e o que ela vem fazendo", ressalta Hartmann.
É preciso, no entanto, fazer alguma coisa. E a unidade de trabalho que passa pela criação de uma metodologia para a formação de atletas é um dos caminhos possíveis.
Gustavo Franceschini-UOL
Como reflexo natural do fracasso do futebol brasileiro na Copa do Mundo, a sociedade passou a refletir em diversos níveis sobre assuntos que comumente não eram aprofundados em tempos de fartura: calendário, qualidade do jogo, fairplay financeiro, dívida dos clubes, governança, violência, público nos estádios, formação de atletas e outros temas fundamentais na compreensão mais ampliada sobre o quão inóspito e desestimulante se tornou o ambiente para quem pratica e participa do futebol de alguma maneira.
Futebol brasileiro: fechado para balanço
Por EDUARDO CONDE TEGA, CEO da Universidade do Futebol.
Como reflexo natural do fracasso do futebol brasileiro na Copa do Mundo, a sociedade passou a refletir em diversos níveis sobre assuntos que comumente não eram aprofundados em tempos de fartura: calendário, qualidade do jogo, fairplay financeiro, dívida dos clubes, governança, violência, público nos estádios, formação de atletas e outros temas fundamentais na compreensão mais ampliada sobre o quão inóspito e desestimulante se tornou o ambiente para quem pratica e participa do futebol de alguma maneira.
Muitas das saídas encontradas para este cenário, que ainda não se estagnou e que deve piorar, são soluções paliativas e que tratam de forma muito individualizada os reflexos desta inércia. Geralmente, nem mesmo o melhor gestor, a sorte, recursos, competência e vontade de fazer direito acabam sendo suficientes para que o clube encontre uma solução no seu crescimento sustentado, através da busca equilibrada de receitas, por exemplo.
Em que ambiente são tomadas decisões impactantes sem conhecer mais profundamente suas causas?
O futebol deveria ter fechado para balanço e diagnosticado em todas as suas dimensões de atuação, de forma profunda e responsável, desde a derrota para a Holanda por 3 a zero, no dia 12 de julho de 2014.
Durante este ano, teríamos compreendido nossas fragilidades e potencialidades, com os diferentes e relevantes agentes que participam deste mesmo ambiente ruim e pouco atrativo onde o futebol é praticado.
Saberíamos, por exemplo, que as categorias de base foi um dos setores que mais avançou nos últimos dez anos, com profissionais preparados, que buscam equilibrar a prática com o conhecimento científico, mas quase sempre estão reféns de um dirigente amador sem fundamentação técnica nas decisões mais estratégicas.
Ficaríamos intrigados com a transformação do perfil do nosso jogador, que há décadas se desenvolvia de uma forma natural e espontânea nos campinhos e nas ruas, e que passou a ser “desenvolvido” numa prática mais sistematizada, regulada e mecanizada nas Escolinhas, tornando o ensino do futebol de hoje em dia muito diferente da forma como o aprendíamos antigamente.
Saberíamos, por exemplo, que as categorias de base foi um dos setores que mais avançou nos últimos dez anos, com profissionais preparados, que buscam equilibrar a prática com o conhecimento científico, mas quase sempre estão reféns de um dirigente amador sem fundamentação técnica nas decisões mais estratégicas.
Ficaríamos intrigados com a transformação do perfil do nosso jogador, que há décadas se desenvolvia de uma forma natural e espontânea nos campinhos e nas ruas, e que passou a ser “desenvolvido” numa prática mais sistematizada, regulada e mecanizada nas Escolinhas, tornando o ensino do futebol de hoje em dia muito diferente da forma como o aprendíamos antigamente.
Entenderíamos que o Brasil é ainda um dos poucos países do mundo que não exige qualificação ou certificação profissional para quem atua como técnico de futebol, revelando o descaso de décadas na formação adequada de seus profissionais.
Perceberíamos que o método de formação de atletas ainda é tratado pela maioria de forma fragmentada e autoritária, supervalorizando os aspectos técnicos e provocando ações mecânicas pouco criativas e comportamentos estereotipados, produzindo uma leitura insuficiente do jogo.
Perguntaríamos a quem poderia interessar a lógica deste calendário irracional e improdutivo, que durante a maior parte da temporada mantém milhares de profissionais desempregados e centenas de clubes do interior inativos, dificultando o vínculo com seu torcedor, que passa mais da metade do ano sem assistir seu time de coração jogar.
Perguntaríamos a quem poderia interessar a lógica deste calendário irracional e improdutivo, que durante a maior parte da temporada mantém milhares de profissionais desempregados e centenas de clubes do interior inativos, dificultando o vínculo com seu torcedor, que passa mais da metade do ano sem assistir seu time de coração jogar.
Acordaríamos para a realidade de que a camisa infantil mais vendida em nosso país é a do F.C. Barcelona, de Messi e cia.
Questionaríamos a origem associativa dos clubes, que em seus estatutos não possui fins lucrativos, mas que, na prática, movimentam cifras milionárias e com pouca transparência na negociação dos atletas.
Reforçaríamos o entendimento sobre o papel desregulado e desproporcional entre agentes, empresários e clubes formadores.
Reforçaríamos o entendimento sobre o papel desregulado e desproporcional entre agentes, empresários e clubes formadores.
Lamentaríamos a relação entre o grande fluxo de exportação de jovens atletas e a importação das grandes Ligas Europeias na forma de pay-per-view.
Ficaríamos preocupados ao saber que em recentes pesquisas sobre o comportamento do torcedor brasileiro, o índice de pessoas que declararam não torcer para time algum, inclusive para a Seleção Brasileira, aumentou em 25% nos últimos quatro anos.
E, finalmente, duvidaríamos se estamos realmente no século XXI, o de democracia e redes sociais, ao entender que as entidades organizadoras de competições (federações e confederação) são praticamente feudos do século XIII, que concentram a riqueza do futebol brasileiro e definem seu rumo de acordo com os seus respectivos interesses privados.
O maior vexame do futebol brasileiro faz seu primeiro aniversário e, lamentavelmente, continuamos sem um norte, sem um plano de desenvolvimento para o nosso futebol.
Até quando este enfermo futebol brasileiro, paciente da UTI há anos, vai aguentar permanecer nas mãos dos especialistas de sempre?
Vamos continuar dependendo de um eventual fracasso ou sucesso da Seleção Brasileira para reverem suas prescrições?
Parabéns a vocês!
Parabéns a vocês!
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