segunda-feira, 16 de maio de 2016

A vida e o futebol não têm explicação




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No jogo da vida, onde o gramado é um globo, torcer para um time de futebol representa a possibilidade dos homens tabelarem com tudo o que não é passível de respostas. Torcer, aos apaixonados pelo futebol, é também um ato de devoção e reverência ao que estabelece como sagrado: um clube de coração, uma seleção.
O ser humano, movido pela paixão, pelo encantamento e pela emoção, encontra no futebol uma de suas razões inexplicáveis para suportar o concreto e a burocracia do cotidiano.
Analisado pelo tecnicismo, com as réguas e compassos da ciência, futebol não é mais do que 22 homens, correndo atrás de uma bola dentro de um retângulo gramado, lutando 90 minutos para tentar passá-la por outro retângulo de aço. Mas a ciência, por mais teorias que se formulem, não explica o futebol, nem a vida.
Futebol, para o torcedor, representa também a quebra da ordem do sistema, é a possibilidade de subverter tudo aquilo que chega em nossas vidas por meios de manuais, regras, cartilhas, normas, procedimentos e outros compêndios desenvolvidos para domesticar o que temos de humano. Como disse o poeta Manoel de Barros, em seu “Retrato do Artista enquanto coisa”: “A maior riqueza
do homem / é sua incompletude. (…) / Não aguento ser apenas / um sujeito que abre / portas, que puxa / válvulas, que olha o / relógio, que compra pão / às 6 da tarde, que vai / lá fora, que aponta lápis” (…)
O imponderável, o impalpável, o intangível, o onírico, o metafísico: tudo isso se materializa no universo da bola. Por isso o futebol também nos sintetiza como seres humanos, inseridos em um imenso jogo regido por um árbitro invisível. O futebol, assim como não história do pensamento, nunca se conseguiu estabelecer uma verdade absoluta. A interferência dos homens modulando conceitos, formulando estratégias, inventando esquemas táticos, todos caem por terra, porque o futebol – assim como a vida – são determinados, sobretudo, pelo acaso.
E é justamente o Acaso que torna o futebol um objeto de estudo sem fim, um enigma a ser decifrado a cada partida, mas que muda a cada partida. Essa busca por uma verdade absoluta no futebol é a busca dos pensadores em estabelecer uma única verdade no mundo.
Sendo a vida o exercício de conceituar incertezas, do nascimento à morte, assim, o futebol, em seu microcosmo de 90 minutos, seja a representação real mais próxima do palco e do jogo a que somos submetidos na partida da existência.
Se por um lado é submetido às regras do inexplicável, do divino, de uma “verdade superior”; em contrapartida, sendo produto da criação humana, os homens também se apropriaram da fé dos torcedores para atingir seus interesses próprios, criando templos da bola, com regras, dogmas e tabelas.
No entanto, por mais que os homens explorem a força de trabalho, o talento, os salários das massas, é difícil apagar a chama que ilumina a paixão de quem torce por um time de futebol.
Quando se olha para um campo de futebol, quando se sente o delírio da massa ao grito de goooooool, quando milhares pulam e se abraçam pelo mesmo motivo, quando se busca entender os esquemas táticos, quando nos resignamos diante de uma derrota, quando nos preparamos para uma nova partida, quando formamos uma só família nos estádios, quando nos compreendemos por meio de um gol, todas essas articulações fazem parte de uma peça chamada futebol, mas que também pode ser comparada às nossas vidas.
Por mais que se tente apreender, compreender e interpretar o que é a vida e o futebol, de fato eles não tem explicação. Qualquer explicação soa como um Garrincha, de pernas tortas, tecnicamente incapaz para a bola, fintando a lógica, a ciência e a razão.

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