Dois erros de Douglas de Jesus, vários pecados capitais de Jorge Jesus. O treinador viu o Sporting fazer algo provavelmente inédito: desperdiçar uma vantagem de três golos em cerca de vinte minutos (3-3). Histórico.
Os leões descansaram após folga concedida em dois erros do guarda-redes do Vitória e deixaram fugir um jogador de caraterísticas incomparáveis no futebol português: Moussa Marega.
Jorge Jesus diz que Gelson acrescenta algo que nenhum outro jogador tem (falando sobre a Seleção Nacional). Porém, a magia do extremo não teve efeito duradouro, ao contrário da potência física do maliano.
Marega impressiona pela capacidade para subsistir naquela vertigem, na renovável energia, mescla de músculo e velocidade, compensando a visível falta de capacidade para tratar a bola com carinho. Não precisa.
O avançado cedido pelo FC Porto bisou e chegou aos sete golos em seis jogos. Já na reta final, foi ele a conquistar o livre que permitiu o 3-3 de Tiquinho Soares. Duas torres a manter a ordem no castelo de Guimarães.
Jorge Jesus não corrigiu deficiências com o recurso ao banco de suplentes e deixou aliás uma substituição por fazer. Paulo Oliveira ainda esteve a aquecer antes do terceiro golo vitoriano. O treinador hesitou e largou dois pontos no Berço. No final, braços caídos a olhar para o leão sobranceiro, vergado perante o seu excesso de confiança. Triste imagem dos jogadores do Sporting naqueles últimos vinte minutos.
O técnico leonino mexeu no tabuleiro após a jornada europeia. Trocou de laterais – João Pereira e Jefferson saíram para as entradas de Schelotto e Zeegelaar – e possibilitou a estreia de Markovic como titular, deixando Bruno César no banco.
O treinador do Sporting voltou a confiar na irrepreensível qualidade de Bryan Ruiz, imune a mutações no seu posicionamento em campo. Ora pelo centro, ora pela esquerda, o costa-riquenho transpira classe e inteligência.
Foi Bryan Ruiz a libertar Gelson para a magia no primeiro golo leonino e a servir Sebastián Coates no 0-2 nas alturas.
O Sporting chegava ao intervalo com uma vantagem confortável e apagava da memória uma entrada cautelosa em campo, permitindo o ascendente do V. Guimarães durante 15/20 minutos.
A estratégia vitoriana, face aos jogadores que compõe a linha ofensiva, consiste em bola nas costas e fé no poderio físico. Tiquinho Soares (ex-Nacional) e Moussa Marega (ex-FC Porto) impuseram respeito enquanto a defensiva leonina não encontrou o antídoto temporário. Pelo caminho ficou a primeira grande oportunidade de golo, o melhor momento naquele arranque interessante do Vitória. Marega aproveitou o mau posicionamento de Schelotto para partir em linha e receber um passe longo de Josué. O pior veio depois. Eram necessários toques na bola e essa não é a especialidade do maliano. Atrapalhou-se e Rúben Semedo resolveu.
O V. Guimarães caiu a partir daí. Jorge Jesus irritou-se com o setor recuado do Sporting, corrigiu posicionamentos e a dupla Coates-Semedo acertou. Anulava-se a principal arma vitoriana.
A equipa de Pedro Martins inclinara-se para a frente com o intuito de disfarçar o que faltava em outras linhas, sobretudo no eixo do setor intermediário. Sem Rafael Miranda, o técnico lançou o estreante Prince. Um central como trinco, vindo de cinco meses sem competição. Não jogava desde maio.
Prince Gouano teria a dupla missão de acompanhar João Pedro e marcar o segundo avançado do Sporting. Quem? Markovic, precisamente o autor do primeiro golo. A bola veio de Bryan Ruiz para Gelson, este rodou sobre Rúben Ferreira e fugiu a Hernâni. Douglas travou o remate do extremo mas o 0-1 chegou na recarga.
Os leões chegavam à vantagem com meia-hora de jogo, denotavam conforto em campo e suportavam a perda de Adrien, substituído por Elias devido a lesão. A caminho do intervalo, Coates fez valer novamente a sua elevada estatura para aproveitar a saída sem nexo de Douglas e ampliar a margem.
O Vitória de Guimarães sofria. Não tinha soluções para a crescente fantasia de Gelson Martins, a correria do galgo Schelotto, a regra e esquadro de Bryan Ruiz. Elias ficou a centímetros do 0-3 e Douglas negou-o a Markovic logo depois.
Pedro Martins viu-se obrigado a mexer e saiu a ganhar com a entrada de João Aurélio para o lugar do cadente Prince. Já antes lançara Bernard por Hurtado.
A formação minhota alimentava-se de paixão, de querer, de abnegação. Vivia sobretudo do retornado Marega, de novo com imprevisibilidade no seu jogo desconexo. Ao minuto 63, aliás, Rúben Semedo parece tocar no adversário, já na área leonina, mas Artur Soares Dias mandou seguir.
O Sporting resistiu e agradeceu nova oferta de Douglas de Jesus. Enorme frango, com todas as letras, do guarda-redes brasileiro após remate inofensivo de Eliás. 71 minutos de jogo, um fosso colossal no resultado, sensação de jogo resolvido.
O banco leonino festejou com exuberância. Abraço coletivo, longo, daqueles que anunciam a vitória. Terá sido o primeiro grande pecado da equipa comandada por Jorge Jesus.
Ainda inebriados pelo efeito dessa fantasia, os jogadores do Sporting cederam à precipitação. Desde logo William Carvalho, num castigo máximo sobre Hernâni. Marega deu o mote para a recuperação.
Logo depois, perda de bola no setor intermediário (parece existir falta no início do lance) e Moussa Marega a surgir nas costas de Coates – que tentava subir para fora-de-jogo – para responder a um cruzamento de João Aurélio.
Quinze minutos pela frente e o Sporting com o coração nas mãos. O Vitória afirmava-se como dono do castelo que já parecia totalmente controlado pelos rivais. Cerrou fileiras e pressionou. Com alma, garra, intensidade. Tudo o que faltava aos sobranceiros leões.
O golo do empate do V. Guimarães, já ao cair do pano, foi não mais que um justo prémio para os locais e a pena merecida para quem desperdiçou uma tamanha vantagem. Livre de Raphinha, Tiquinho Soares a cabecear ao segundo poste. Com recurso às imagens televisivas, percebe-se que o avançado usou os braços para afastar Schelotto. Mas Artur Soares Dias nada viu nem isso serve de desculpa para o descalabro verde e branco.
V. Guimarães-Sporting, 3-3 (destaques)
FIGURA: Marega
Sete golos em sete jornadas. Arranque de época extraordinário do avançado maliano, que nas duas épocas que fez em Portugal fez oito golos em cada uma delas. Em seis jogos com a camisola do V. Guimarães já leva sete e esta noite bisou diante do Sporting. Bateu pela primeira vez Rui Patrício da marca dos onze metros, com muita serenidade, bisou na partida ao corresponder da melhor forma a um cruzamento de João Aurélio, finalizando com eficácia e reduzindo a desvantagem para a margem mínima. Está também no terceiro golo ao sacar a falta que dá origem ao tento de Soares. Mais uma exibição e luxo do atacante cedido pelo FC Porto, com implicação direta no resultado final.Estatuto de melhor marcador da Liga reforçado.
MENÇÃO HONROSA: Gelson
Apresentou-se em Guimarães carregando nos ombros o peso da primeira convocatória para a Seleção Nacional AA. Sempre ligado à corrente, causou desequilíbrios com os seus rasgos no corredor central. No primeiro golo deixou Rúben Ferreira para trás com facilidade e evitou ainda o carrinho de Hernâni antes de atirar para obrigar Douglas a fazer uma defesa apertada. Com a bola colada ao pé direito, cresceu no segundo tempo sendo o mais irrequieto do Sporting antes da reação do Vitória.
MOMENTO: golo de Soares (89’)
Pressing final do Vitória, D. Afonso Henriques incendiado e Marega uma vez mais na história ao conseguir a falta que dá origem ao último golo do encontro. Livre cobrado por Raphinha, Soares ganhou de cabeça ao segundo poste batendo Rui Patrício pela terceira vez e carimbando o resultado final num lance em que a crença do atacante foi determinante para cabecear para o fundo das redes.
NEGATIVO: Douglas
Se no segundo golo sofrido a saída é completamente extemporânea e dá o golo de bandeja a Coates, o guardião brasileiro fica ainda pior na fotografia no terceiro golo dos leões. Elias encheu o pé na meia-lua, mas o remate esteve longe de sair explosivo e foi à figura do guarda-redes. Douglas fez-se ao lance de forma pouco ortodoxa, fez mal os cálculos e acabou por deixar escapar o esférico para dentro da baliza. O experiente guarda-redes tem culpa direta e grosseira em dois dos golos dos leões.
OUTROS DESTAQUES
Coates
Começou com uma falta sobre Soares, adivinhando-se uma noite difícil para o central do Sporting. Contudo, o uruguaio acertou na marcação e ganhou confiança para o duelo com Soares. Ganhou os lances tranquilamente e acentuou a incapacidade para o V. Guimarães construir jogo. Foi ao ataque marcar de cabeça, já é o terceiro golo da época, com o golpe de cabeça aos 41 minutos.
Soares
Esforço inglório no centro do ataque do V. Guimarães. Lutou muito com os centrais adversários, fugiu do seu raio de ação tentando ganhar espaço nos corredores laterais, mas quase sempre sem sucesso. Muito suor e muita disputas de bola que tiveram a devida recompensado no penúltimo minuto do encontro com o golo da igualdade.
Bryan Ruiz
Técnica apurada, capacidade acima da média, esteve muito ativo na melhor fase do Sporting, com o pé esquerdo a fazer o jogo da equipa de Jorge Jesus fluir. Fez vários lançamentos perigosos a rasgar a defesa do V. Guimarães e bate o canto que dá origem ao golo de Coates, o segundo dos leões.
João Aurélio
Bernard foi aposta para contraria o domínio do Sporting na primeira parte, mas foi João Aurélio a saltar do banco para mexer com o jogo do Vitória. Auxiliou Bruno Gaspar na direita, foi importante a equilibrar forças no meio campo e está no cruzamento para o segundo golo de Marega. Extremamente útil o médio.
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