Um ano de seis minutos – Minha retrospectiva 2014
A musiquinha do celular despertou-me parcialmente do estado de torpor em que estava.
Torpor e uma tristeza profunda, imensa, de um jeito tal que meu parco engenho & arte não é o bastante para traduzi-la.
Atendi. Era minha filha, com uma voz tristonha, de quem via algo incompreensível e que precisava ser entendido para o mundo voltar a fazer sentido.
“Pai, o que está acontecendo?”
E pela primeira vez em seus mais de trinta anos de vida eu não tive uma resposta para uma pergunta feita por ela.
Nenhuma resposta, nem para ela, nem para mim.
No meu caso, o mundo até parecia fazer algum sentido, num plano mais profundo, mas ao mesmo tempo fazia sentido nenhum, pois tudo que eu via com os olhos d’alma era um vazio completo, profundo.
E como o vazio pode ser assustador, terrivelmente assustador.
Porque precisamos olhar ao nosso redor e ver sentido nas coisas que nos rodeiam, temos que entender, um pouco que seja, do que vemos.
E eu não entendia o que via.
A dor era grande demais para permitir que aquela sensação de clareza que pressentia lá no fundão pudesse aflorar e, com ela, pudesse dizer algo que ajudasse minha filha a ver algum sentido naquela tragédia que acompanhávamos fisicamente distantes, ela no litoral norte paulista e eu no sítio, no interiorzão de São Paulo.
E o que víamos?
Uma tela de televisão que mostrava Brazil 0 x Germany 5.
Em meros seis minutos fôramos destrocados, mas ainda viria a ficar pior.
0x6...
0x7...
É assim que lembro, é assim que tento falar daquele jogo.
Toda vez que o faço, almas caridosas e compreensivas, umas, irritadas e até grosseiras, outras, lembram-me que foi 7x1.
Lamento, mas foi 7x0. Para mim sempre será 5x0 e 7x0.
Em toda minha vida nunca passei por algo sequer próximo do que senti naqueles minutos.
Percebi, depois, que a Alemanha derrotara também a mim, não apenas à Seleção Brasileira de Futebol. Quebrara alguma coisa que ainda me dizia que o Brasil em que vivo guarda semelhança com o Brasil que, garotinho, cantei:
“A Taça do Mundo é nossa... Com brasileiro, não há quem possa...”
Velha e triste ilusão.
A Alemanha, naqueles minutos, destroçou não somente nosso futebol todo, não somente a Seleção, como também minhas teorias políticas, sociais e culturais sobre nós e nossa terra, sobre essa grande Pindorama. Ainda estou tentando reconstruir minhas minguadas teorias, minhas pobres certezas.
Antes de esse ano terminar duas novas e brutais derrotas ensombreceriam nosso mundo e, mais uma vez, destroçariam nossas certezas e ilusões. Essas, porém, são outras histórias, para outros momentos, não aqui, não agora.
No futebol, minha retrospectiva é curta, simples e grossa:
Brasil 0 x 7 Alemanha.
Post scriptum à guisa de retrospectiva ou balanço
Nossos clubes terminam 2014 piores do que terminaram 2013.
Gastaram mais do que ganharam. Aumentaram suas dívidas. Comprometeram mais um bocado seus futuros.
Há umas coisinhas aqui, outras ali, que podem indicar alguma mudança, como a maior preocupação com os salários pagos a jogadores e treinadores. Não são, infelizmente, tomadas de consciência e sim obrigações trazidas pela penúria financeira. Isso significa que, provavelmente, não são mudanças de fato e sim ações emergenciais.
Ah, sim, todos os clubes agora querem ganhar muito dinheiro com seus sócios-torcedores, mas nenhum dos novos quer repetir a fórmula vitoriosa dos pioneiros: direito de votar e ser votado para o sócio-torcedor.
Há alguns dias tive o desprazer de ler declaração de um dos membros da Comissão Técnica dos 0x7, dizendo que os resultados (?) da nova Seleção já tinham levado o torcedor a esquecer a goleada absoluta de que fomos vítimas e que estávamos no caminho para o topo, novamente. Esse tipo de pensamento, essa postura, essa arrogância doentia mostram que nada aprendemos.
E que não se iluda o ilustre “professor”: não me parece que alguém tenha esquecido o 7x0.
O futebol praticado em nossos gramados continua paupérrimo, com alguns bons momentos, produto da mesmice de treinadores e dirigentes. Sempre os mesmos treinadores, sem mudanças, sem inovações.
E sem tempo para trabalhar seus times. Se o tempo não existe, menos ainda existe a garantia de poder fazer o trabalho necessário. Isso não mudou.
No campo da legislação o projeto de lei para a recuperação fiscal dos clubes não passou. Uma súbita e esperta manobra de última hora tirou o projeto longamente discutido pelo mundo da bola com o governo e com o parlamento, por outro mal feito, apressado, claramente favorável à perpétua manutenção do quadro que tão bem conhecemos. O rumo desse trabalho vai depender da Senhora Presidente da República, que conseguiu trocar um ministro fraco, mas empenhado nesse trabalho, por outro ainda mais fraco e sem ligação alguma com tudo que foi feito e discutido.
Em questão de horas estaremos em 2015, mas, sei não, parece-me que tudo que teremos será a transposição de 2014 para 2015. O jeito é ficar na torcida.
Independentemente de tudo isso, porém, desejo a todos vocês, leitores desse OCE, bem como a todos nós, brasileiros, um ano muito bom, pleno em saúde, paz e felicidade. E desejo que nossos governantes consigam trabalhar direito, o mínimo que seja, criando condições para que toquemos nossas vidas com menos dificuldades e mais alegrias.
Com a luxuosa ajuda de bons jogos, belos gols, grandes jogadas.
Que fazem a vida mais gostosa.
Grande abraço a todos e Feliz Ano Novo.
Emerson Gonçalves(Globo.com)
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