quinta-feira, 24 de março de 2016

Brasil - Assim acontece em Chapecó

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Quando a Libertadores atinge certo ponto de cozimento e os times brasileiros são surpreendidos por vizinhos, às vezes desconhecidos, não demora a surgir o questionamento de por que nossos clubes não conseguem levar para o campo a supremacia financeira que apresentam sobre a maioria dos rivais continentais. É tema recorrente, que mostra certa visão estreita, porque desconsidera justamente um aspecto que também é exigido por aqui com frequência: planejamento e profissionalismo. E um exemplo a ser seguido, é só espichar o olho, está bem próximo e atende pelo nome de Chapecoense, clube cuja trajetória prova que o dinheiro não é tão importante quanto a forma como ele é usado.

Deus nos livre de todo o mal, mas especialmente do dia em que o futebol apenas refletir o xerox de um saldo bancário. Caímos na saída fácil de perguntar desdenhosamente “Quem é o Guarani do Paraguai?” ou de reverberar o clichê de que "O Nacional só tem camisa" em vez de dedicar um tempinho para pesquisar o que de fato existe por trás de cada time. Quando nossa soberba é aniquilada em contragolpes fulminantes, responsabilizamos a imprevisibilidade do futebol. E então, numa bela noite de quarta-feira, lá estão Bolívar, Defensor e Nacional Querido disputando uma semifinal de Libertadores. Assim como outros rivais que surpreenderam os gigantes brasileiros porque estavam há anos investindo em trabalho contínuo, dentro e fora do campo, o furacão do oeste catarinense coloca em prática uma filosofia baseada em eficiência que multiplica os frutos a serem colhidos à sombra do Índio Condá.

Pois vejamos. O time treinado por Guto Ferreira está praticamente passeando em Santa Catarina neste início de temporada. Venceu o primeiro turno e caminha vorazmente para levar também o segundo, que o consagraria campeão sem a necessidade de final. Ao todo, foram 13 jogos, com 11 vitórias e NENHUMA derrota. O quinto título estadual da história, portanto, está batendo na porta. Em 2015, a Chapecoense recebeu R$ 19,5 milhões em cotas de TV. Os outros times catarinenses que disputaram o Brasileiro receberam igual valor e hoje mal conseguem ciscar perto da Chape no campeonato estadual. Na competição nacional, a esquadra verde garantiu a presença na elite com relativa tranquilidade, enquanto os conterrâneos promoveram uma briga FRATRICIDA até a última rodada, com o Avaí acabando na guilhotina. 

Aliás, a tabela do Brasileiro 2015 mostra também que a Chapecoense acabou empatada em pontos com o Fluminense, que recebe R$ 55 milhões de cotas, e apenas dois pontos atrás do Flamengo, que embolsou nada menos do que R$ 105 milhões. Se o futebol fosse esta REGRA DE TRÊS que às vezes pretendemos que seja, os rubro-negros teriam de acabar a competição pelo menos com cinco vezes mais pontos que o clube catarinense. Em relação ao patrocínio da camisa, em 2016 a Chapecoense deve receber R$ 4 milhões da Caixa Federal, mesmo valor do Figueirense, enquanto o Flamengo vai embolsar R$ 25 milhões e Galo e Cruzeiro terão injetados na sua niqueleira R$ 12,5 milhões cada.

Mas há algo além do vulto dos cifrões que nossa mente ingênua insiste em não compreender. Um clube grande, mesmo governado pela bagunça, pode ganhar um título por obra do acaso. Um time modesto escalar quatro divisões em seis anos, definitivamente não. Faz alguns anos que a Chapecoense é um exemplo eficiente em gestão, desde que passou a ser administrada por um colegiado, do qual fazem parte empresários da cidade, presidente e vice do conselho deliberativo. Aliás, a Chape tem uma aura de clube familiar, em que toda a cidade abraça a instituição. O departamento de futebol, comandado por Mauro Stumpf desde 2011, quando iniciou a gestão do presidente Sandro Pallaoro, funciona com base em uma maravilhosa estratégia que inovaria o futebol brasileiro se aplicada em larga escala: no começo do ano, o setor financeiro diz quanto há de dinheiro para gastar, e o futebol, vejam só, gasta exatamente aquele valor. Entende-se que a fórmula é demasiado complexa, praticamente física quântica, mas de repente vale a pena tentar compreendê-la.

Após cumprir a dura missão de assegurar a permanência na primeira divisão nas duas últimas temporadas, a Chapecoense passou a aproveitar os prazeres que a vida apresentava. Além de se tornar um algoz de grandes brasileiros, goleando Inter, Palmeiras e Fluminense, em 2015 disputou a Sul-Americana, sua primeira competição internacional. Talvez pela índole familiar e tão vinculada à sua cidade, o clube também adota algumas iniciativas dissonantes no mundo do futebol: na Copa do Brasil do ano passado, por exemplo, abriu mão duas vezes da renda dos jogos, primeiro para ajudar o próprio adversário que eliminara, o Interporto, e depois para auxiliar as vítimas de um tornado em Xanxerê (SC). As cortinas de 2016 se levantaram e a engrenagem alviverde não para de funcionar: além de manter um time forte, atualmente imbatível em Santa Catarina, e de comemorar o recorde de Bruno Rangel, hoje maior artilheiro da história do clube, a Chapecoense apresentou melhorias na sua estrutura administrativa, de departamento médico, fisioterapia e categorias de base.

Há cerca de cinco meses, por uma noite Chapecó se transformou no epicentro futebolístico do continente e o Verdão do Oeste entrou em campo para disputar a partida mais importante de sua história: não classificou, mas venceu e fez de gato e sapato ninguém menos que o River Plate, atual campeão da América. Mais ou menos como ocasionalmente acontece com grandes clubes brasileiros quando visitam adversários cujos nomes não frequentam os holofotes. Para quem observava à distância, se tratava de uma zebra listrada em verde e branco que se arriscava a trotear longe do seu habitat. Para quem dedicou alguma atenção ao projeto desenvolvido pela Chape, no entanto, era apenas o êxtase ao mesmo tempo supérfluo e necessário, sobretudo merecido, que refletia a continuidade de um trabalho que mostra que os cifrões sozinhos não significam nada. Até porque se o futebol se resumisse a números, na letra fria dos resultados, nada nos impediria de argumentar que a distância entre Chapecoense e Barcelona é apenas a diferença de gols que cada um conseguiu fazer no River Plate.

por Douglas Ceconello - Globo.com

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