sexta-feira, 30 de outubro de 2015

TÉCNICO IMORTAL – ÊNIO ANDRADE



 ÊNIO ANDRADE

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Ênio Andrade HOME
Nascimento: 31 de Janeiro de 1928, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Faleceu em 22 de Janeiro de 1997, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
Times que treinou: Esportivo-BRA (início da década de 70), Grêmio-BRA (1975 e 1981-1982), Santa Cruz-BRA (1976), Sport-BRA (1977 e 1986), Juventude-BRA (1978), Coritiba-BRA (1979 e 1985), Internacional-BRA (1979-1980, 1987, 1990-1991 e 1993), Náutico-BRA (1984), Palmeiras-BRA (1988), Corinthians-BRA (1989), Cruzeiro-BRA (1989-1990, 1991-1992, 1994 e 1995) e Bragantino-BRA (1992).
Principais títulos por clubes: 1 Campeonato Pernambucano (1976) pelo Santa Cruz.
1 Campeonato Brasileiro Invicto (1979) pelo Internacional.
1 Campeonato Brasileiro (1981) pelo Grêmio.
1 Campeonato Pernambucano (1984) pelo Náutico.
1  Campeonato Brasileiro (1985) pelo Coritiba.
2 Campeonatos Mineiros (1990 e 1994-invicto), 1 Supercopa dos Campeões da Libertadores (1991) e 1 Copa Ouro (1995) pelo Cruzeiro.

“O arquiteto de esquadrões”
Poucos técnicos na história do futebol tiveram a sabedoria e o talento para mudar um jogo ou um time em poucos minutos ou mesmo no intervalo de uma partida. Pouquíssimos foram tão cordiais e conhecedores dos macetes do futebol. E somente um foi campeão brasileiro invicto. Ênio Vargas de Andrade, mais conhecido como Ênio Andrade, marcou época no Brasil ao se tornar um dos maiores “arquitetos” de equipes competitivas e vencedoras da história do esporte no país, além de faturar três títulos nacionais num intervalo de sete anos, todos por equipes da região sul. Estrategista nato, mago do vestiário e vencedor, Ênio Andrade conseguiu a proeza de ser ídolo de gremistas, colorados, alvirrubros do Náutico e tricolores do Santa Cruz. É hora de relembrar a carreira desse grande vencedor.

Inspiração do passado
Ênio Andrade (à esq.), nos tempos de jogador.
Ênio Andrade (à esq.), nos tempos de jogador.

Ênio Andrade sempre teve o futebol como paixão e ganha pão. Antes de completar 18 anos, ele já era jogador do São José (RS) e se consagrou como um habilidoso meia-esquerda com grande visão de jogo e muita técnica. Andrade passou por clubes do sul, pelo Palmeiras, pelo Náutico e ainda vestiu a camisa da seleção brasileira que conquistou o torneio Pan-Americano de 1956, no México. Depois de pendurar as chuteiras, em 1962, Andrade levou um tempo até se encorajar na carreira de treinador de futebol, que começou apenas no começo da década de 70, quando comandou o Esportivo de Bento Gonçalves (RS). Mesmo sem experiência, Ênio mostrou que os anos de jogador seriam muito bem aproveitados em sua nova carreira por conhecer bem o linguajar dos atletas e como lidar com cada um. No Esportivo, o técnico não conquistou títulos, mas fez a equipe azul e branca realizar boas partidas nos Campeonatos Gaúchos daquela época, o que chamou a atenção do Grêmio, que levou Ênio para o lado tricolor do estado em 1975.
Jornal destaca o título do Santa Cruz em 1976.
Jornal destaca o título do Santa Cruz em 1976.

De casa nova, Ênio nada pôde fazer para o tricolor quebrar a sequência de títulos do rival Internacional, que na época tinha o melhor time do país com craques do mais alto nível como Manga, Figueroa, Carpegiani, Falcão, Flávio e outros. Em 1976, o treinador viajou até Recife para comandar o Santa Cruz e no novo tricolor a história foi diferente. Depois de ficar entre os líderes nas três fases iniciais do Campeonato Pernambucano, o Santa foi campeão estadual ao golear sem dó seus maiores rivais no triangular final. Contra o Sport, vitória por 4 a 0. Contra o Náutico, outro sapeco: 5 a 0. Além do talento de Ênio em montar um time competitivo, o Santa Cruz teve como destaque naquela competição o artilheiro Nunes, verdadeiro matador que brilharia anos depois com a camisa do Flamengo. Após o título, Ênio peregrinou por Sport, Juventude e Coritiba entre 1977 e 1979, até conseguir uma chance de ouro num clube onde ele faria história: o Internacional.

Mostrando valor
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Quando chegou ao Inter, em 1979, Ênio Andrade tinha uma enorme responsabilidade. O time era muito cobrado pela torcida por causa da perda da hegemonia no estado (o Grêmio pôs fim a série de oito taças seguidas do Colorado em 1977) e pela campanha ruim no estadual de 1979 (terceiro lugar, atrás do campeão Grêmio e do vice Esportivo). Os bailes do esquadrão de 1975-1976, bicampeão brasileiro, ainda estavam frescos na memória de todos e qualquer resultado que não fosse uma taça de peso era motivo de críticas. Mas Ênio não se abateu e tratou de mostrar serviço logo de cara. Beneficiado pelos reforços de Benítez, Cláudio Mineiro, Bira e Mário Sérgio, além de contar com jogadores de puro talento como o jovem Mauro Galvão, o atacante Valdomiro e os meio-campistas Batista e Falcão, o técnico armou o Inter num 4-3-3 eficiente e que teria resultados instantâneos no inchado Campeonato Brasileiro daquele ano, com 94 times.
Na primeira fase, a equipe colorada foi líder do Grupo G com seis vitórias e três empates em nove jogos, marcando 18 gols e sofrendo apenas cinco. Na segunda fase, nova liderança, dessa vez no Grupo C, com quatro vitórias e três empates em sete jogos, dez gols marcados e apenas dois sofridos. Na última fase antes do mata-mata, a equipe gaúcha venceu o Goiás (1 a 0) e o Atlético-MG por W.O. Mas o grande triunfo foi mesmo contra o Cruzeiro, derrotado em pleno Mineirão por 3 a 2 com gols de Falcão, Zezinho Figueiroa (contra) e Valdomiro.

Nasce o “mestre dos vestiários”
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Na semifinal, o Inter teve pela frente um adversário complicadíssimo: o Palmeiras de Telê Santana e Jorge Mendonça, num duelo que serviria para desempatar os clubes que mais levantaram a taça do Brasileiro naquela década (duas vezes cada um). Quem vencesse, diziam muitos, já seria o virtual campeão e o “campeão dos anos 70” no Brasil. O primeiro duelo foi no lotado Morumbi e o Internacional sentiu a pressão no primeiro tempo ao levar o primeiro gol do Verdão, marcado por Baroninho. No entanto, naquele dia, Ênio Andrade provaria como nunca uma fama construída ao longo dos anos: a de “mestre dos vestiários”. O treinador sabia mexer com o brio de seus jogadores e a maneira de eles jogarem, mostrando os erros e as soluções para sair de uma adversidade. Sua fala mansa e carisma também eram fundamentais para dar mais confiança aos atletas, que retribuíam em campo todo o suporte do professor. Naquele jogo do Morumbi, Ênio acordou o Inter, que empatou logo aos cinco minutos com Jair. Jorge Mendonça colocou o Palmeiras na frente, mas os colorados tinham um craque fora de série que resolvia qualquer partida: Falcão. Sublime e no auge da forma, o mito vermelho empatou e virou o jogo para o Inter, que saiu de São Paulo com mais uma vitória na bagagem e a invencibilidade no torneio ampliada. Na volta, o empate em 1 a 1 no Beira Rio colocou o Colorado em mais uma decisão de Brasileiro, a terceira em apenas cinco anos.
O Inter de 1979: primeiro e único campeão brasileiro invicto.
O Inter de 1979: primeiro e único campeão brasileiro invicto.

A façanha inigualável
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O Inter teve que encarar outro estádio mítico do futebol brasileiro em sua caminhada do tricampeonato brasileiro: o Maracanã. Diante de uma torcida toda contra e muita chuva, os gaúchos queriam pelo menos empatar contra o Vasco de Roberto Dinamite para poder viajar até Porto Alegre com mais tranquilidade. Mas a tarefa seria bem complicada não só por causa do rival e da partida no Maracanã, mas também pelas ausências de Falcão e Valdomiro. Ênio Andrade escalou Valdir Lima e Chico Spina nos lugares de seus intocáveis jogadores e conseguiu o que poucos acreditavam. Com um gol em cada tempo, o Inter venceu o Vasco por 2 a 0 com uma atuação exuberante de Chico Spina e o meio-campista Batista. O resultado foi o melhor dos mundos para os colorados, que teriam a vantagem do empate no Beira Rio. Mas ninguém queria terminar o torneio sem vibrar com uma vitória, e ela aconteceu: 2 a 1, com gols de Jair e Falcão. O Internacional era tricampeão brasileiro e se tornava o primeiro (e até hoje único) campeão brasileiro invicto. Foram 23 jogos, 16 vitórias, sete empates, 40 gols marcados e 13 sofridos. Uma campanha inesquecível, incontestável e impressionante. Jamais um clube conseguiu repetir o feito daquele Inter de Ênio Andrade e, nos moldes atuais do Brasileirão em pontos corridos, essa façanha dificilmente irá acontecer de novo.
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No Inter de 1979, habilidade dos meio-campistas e dos atacantes davam extrema força ofensiva ao time, que jogava no 4-3-3, esquema favorito de Ênio Andrade.
No Inter de 1979, habilidade dos meio-campistas e dos atacantes davam extrema força ofensiva ao time, que jogava no 4-3-3, esquema favorito de Ênio Andrade.

A América fica por um triz
Em 1980, Ênio Andrade seguiu no comando do Inter em busca de um título inédito tanto para o clube quanto para o futebol gaúcho: a Copa Libertadores. Na primeira fase, o Inter conseguiu a classificação com quatro vitórias, um empate e uma derrota em seis jogos, deixando para trás o freguês Vasco e os venezuelanos do Deportivo Galicia e do Deportivo Táchira. Na fase final, a equipe mostrou força e derrotou o Vélez Sarsfield-ARG em casa por 3 a 1 e por 1 a 0 fora, além de empatar sem gols contra o América de Cali-COL em casa e fora. Os resultados levaram os colorados a uma inédita final. Mas um fator triste acabou pesando contra os brasileiros. Falcão, maior ídolo da história do clube, foi negociado com a Roma-ITA e disputaria suas últimas partidas com a camisa vermelha exatamente naquela decisão continental contra o Nacional-URU. No primeiro jogo, no Beira Rio, as mais de 60 mil pessoas presentes no estádio vaiaram o craque, mas em cada um deles havia muita tristeza por causa da venda do ídolo. O jogo terminou empatado em 0 a 0, o Inter não conseguiu segurar o ímpeto de Rodolfo Rodríguez, Hugo De León, Victor Espárrago e Waldemar Victorino em Montevidéu, e o Nacional venceu por 1 a 0, conquistando o bicampeonato da Libertadores.

Virando a casaca
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Depois de perder Falcão e não conquistar títulos em 1980, Ênio Andrade surpreendeu a todos e assinou contrato com o Grêmio em 1981. A mudança para o maior rival colorado gerou desconfiança, mas o técnico rapidamente iria mostrar que estava vivendo uma fase primorosa e vencedora. O time comandado por Ênio Andrade era consistente, sóbrio e com uma eficiência defensiva notável, com o consagrado goleiro Leão, o uruguaio Hugo De León, os jovens e talentosos Newmar e China, além de Paulo Isidoro (célebre pelos tempos de Atlético-MG), o “Flecha Negra” Tarciso, os laterais Casemiro e Paulo Roberto e o atacante Baltazar.
No mais uma vez inchado Campeonato Brasileiro (44 clubes…), disputado no primeiro semestre de 1981, o Grêmio conseguiu a classificação para a segunda fase com a quarta colocação no Grupo B, com quatro vitórias, dois empates e três derrotas em nove jogos, atrás apenas de Portuguesa, Operário e Goiás, e a frente de Corinthians e Botafogo. Os destaques foram as vitórias sobre o Corinthians, por 1 a 0 (gol de Tarciso), e um 3 a 2 sobre o Botafogo em pleno Maracanã (com três gols de Baltazar só no primeiro tempo). Na segunda fase, o time se classificou em segundo no Grupo E, atrás do forte São Paulo de Waldir Peres, Darío Pereyra, Oscar, Marinho, Everton, Serginho Chulapa e Zé Sérgio. Logo na primeira rodada do grupo os tricolores se enfrentaram no Morumbi e o paulista levou a melhor, vencendo por 3 a 0, com três gols de Serginho. O revés foi fundamental para que Ênio Andrade pudesse perceber como o grande favorito ao título (já que o Flamengo priorizava a Libertadores) jogava e ver quais os pontos a serem explorados em uma hipotética final. Aquela derrota valeu muito para o Grêmio.

Matar e matar
Depois das fases de grupos, o Grêmio foi para as oitavas de final enfrentar o Vitória. No primeiro jogo, na Bahia, vitória rubro-negra por 2 a 1. Na volta, no Olímpico, vitória por 2 a 0 (gols de Paulo Isidoro e Tarciso) e classificação assegurada. Nas quartas de final, um adversário conhecido, o Operário. No primeiro jogo, em Porto Alegre, vitória tricolor por 2 a 0 (gols de Vilson Tadei e Tarciso). Na volta, outra vitória gremista, por 1 a 0 (gol de Baltazar). Faltava pouco para a decisão.
Na semifinal, duelo contra a Ponte Preta do goleiro Carlos e do meia Dicá. No primeiro jogo, em Campinas, vitória do Grêmio de virada por 3 a 2, com gols de Paulo Isidoro, Vilson Tadei e Tarciso. Na volta, em Porto Alegre, o Olímpico recebeu seu maior público na história: 98.421 pessoas (sendo 85.751 pagantes). A Ponte Preta venceu por 1 a 0, mas não foi o bastante para estragar a festa da torcida, que comemorou a vaga na decisão graças a melhor campanha. Era hora da grande e sonhada final, inédita para o clube.

Bicampeão nacional
Baltazar vibra: o Grêmio era campeão brasileiro de 1981.
Baltazar vibra: o Grêmio era campeão brasileiro de 1981.

Em sua primeira final nacional, o Grêmio teve pela frente um páreo duríssimo: o São Paulo, mesmo time que lhe aplicou sonoros 3 a 0 na fase de grupos e que tinha um esquadrão de respeito, com vários craques de seleção. O tricolor gaúcho fez a primeira partida em casa e levou um baque logo no primeiro tempo, com Serginho abrindo o placar para o São Paulo. No segundo tempo, o time voltou com sangue nos olhos e disposto a reverter o placar. Paulo Isidoro, aos 10´e aos 24´, virou o jogo e fez a massa gaúcha delirar. A vitória por 2 a 1 deixou a equipe a um empate do inédito título brasileiro.
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No dia 03 de maio, no Morumbi com mais de 95 mil pessoas, o Grêmio precisava apenas de um empate para conquistar seu tão sonhado título brasileiro. O tricolor gaúcho sabia que não seria fácil encarar o São Paulo em pleno Morumbi, mas a equipe mostrou garra e vontade que lhe são características e não se intimidou. Depois de um primeiro tempo sem gols, na segunda etapa o Grêmio abriu o placar com Baltazar, o artilheiro de Deus, aos 19´. Era o que os comandados de Ênio Andrade precisavam para ter mais tranquilidade e controle. O São Paulo tentou reagir, mas não foi páreo para Leão, Paulo Roberto, Newmar, De León, Casemiro e China, que bloquearam todas as investidas dos paulistas. Ao final de jogo, silêncio no Morumbi e festa em Porto Alegre! Pela primeira vez o Grêmio era campeão brasileiro de futebol. E o técnico Ênio Andrade entrava para a história ao conquistar seu segundo título nacional, de novo com um clube gaúcho. Os tricolores nem ligaram para a perda do título gaúcho para o rival colorado no final do ano. A festa nacional era bem melhor de se saborear…
No Grêmio de 1981, a espinha dorsal do time que viria a ser campeão da América e do Mundo estava formada: força pelas pontas, marcação firme no meio e segurança na zaga.
No Grêmio de 1981, a espinha dorsal do time que viria a ser campeão da América e do Mundo estava formada: força pelas pontas, marcação firme no meio e segurança na zaga.

Tropeços e nova taça pernambucana
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Em 1982, o Grêmio de Ênio Andrade disputou a Copa Libertadores da América pela primeira vez e sentiu o peso da estreia. No mesmo grupo de São Paulo e do futuro campeão, Peñarol, o tricolor não se classificou e venceu apenas um dos seis jogos disputados, com três empates e duas derrotas (para o Peñarol, por 1 a 0, e Defensor, por 2 a 1). No Brasileiro, o time mostrou embalo e conseguiu chegar a mais uma final, despachando pelo caminho o Vasco, nas oitavas, o Fluminense, nas quartas, e o “democrático” Corinthians de Sócrates, na semifinal, com show: duas vitórias, a primeira por 2 a 1, no Morumbi, com gols de Paulo Roberto e Tarciso, e 3 a 1 no Olímpico, com gols de Paulo Isidoro, Tarciso e Baltazar.
Na decisão, o Grêmio encarou de igual para igual o Flamengo então campeão mundial de Raúl, Leandro, Júnior, Tita, Zico, Andrade, Adílio e Nunes. No primeiro jogo, num Maracanã lotado com mais de 130 mil pessoas, empate em 1 a 1. Na volta, no Olímpico, o equilíbrio e a tensão prevaleceram e as equipes não saíram do zero, forçando a realização de uma terceira partida, também no Olímpico. No jogo derradeiro, Nunes, o artilheiro das decisões, marcou o gol da vitória rubro-negra aos 10´do primeiro tempo, dando o bicampeonato brasileiro ao Flamengo.
A perda de seu tricampeonato brasileiro pessoal fez com que Ênio Andrade deixasse o tricolor e ficasse um ano tranquilo, guardando energias para dois anos ainda mais marcantes, a começar por 1984, quando voltou a trabalhar e comandou o Náutico na conquista do título estadual ao lado de Mazarópi (goleiro campeão mundial com o Grêmio em 1983), Newmar, Sivaldo entre outros. A nova e vencedora estadia em Recife despertou o interesse de mais uma equipe do sul, o Coritiba, que conseguiu contratar o técnico para a sequência do Campeonato Brasileiro de 1985. Uma santa escolha da turma alviverde.

Como formar um esquadrão vencedor
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Um dos – senão o maior – trabalhos da carreira de Ênio Andrade foi exatamente naquele Coritiba de 1985. Ao chegar ao clube paranaense, o técnico implantou sua filosofia de jogo, mudou drasticamente os treinos táticos e priorizou principalmente a parte física de seus atletas, que puxavam rolos compressores de 200 kg para o fortalecimento das pernas e praticavam várias corridas de resistências em volta do campo. Este aprimoramento físico seria essencial na reta final do Brasileiro, quando o Coritiba dava show de fôlego diante de combalidos e cansados rivais. Além disso, Ênio fazia o time reserva jogar na mesma postura tática do adversário seguinte do Coxa com o intuito de acostumar seus jogadores para o dia do jogo. Para fechar todo o trabalho de concepção daquele time, muita marcação, vontade e velocidade nos contra-ataques.
Depois de um mau começo na primeira fase, reviravolta na segunda e uma pausa para as Eliminatórias da Copa do Mundo, o Coritiba de Ênio Andrade renasceu no Campeonato Brasileiro com um time chato de se enfrentar e muito bem montado. O meio de campo podia ser pegador com Almir, Marildo e Toby, mas também veloz com as entradas de Marco Aurélio, Hélcio ou Paulinho. No ataque, os pontas Lela e Édson abriam caminhos nas defesas para Índio empurrar a bola para o gol. O esquema de jogo era bem diferente dos demais times, por isso a dificuldade de encarar aquele esquadrão alviverde.
Na última fase antes da semifinal, o Coritiba empatou com o Sport em 1 a 1 e 0 a 0, venceu o Corinthians por 1 a 0 (gol de Lela), derrotou o Joinville por 2 a 1 (gols de Lela e Dida) e 1 a 0 (gol de Lela) e perdeu para o Corinthians por 1 a 0 em São Paulo. Na semifinal, os paranaenses entraram como azarões para o duelo contra o Atlético-MG de João Leite, Luizinho, Nelinho, Paulo Isidoro e Reinaldo. A primeira partida foi no lotado Couto Pereira, que vibrou como nunca após a vitória alviverde por 1 a 0 (gol de Heraldo, no começo do segundo tempo). Na volta, o Coritiba foi valente, se fechou na defesa e contou com uma atuação magistral do goleiro Rafael, que pegou tudo e mais um pouco naquele dia 28 de julho de 1985. O placar permaneceu sem gols e os paranaenses conseguiram uma vaga na sonhada final. Era hora de colocar o Paraná no mapa do futebol brasileiro.
O Coritiba de 1985 foi um dos maiores trabalhos da carreira de Ênio Andrade, que conseguiu montar um time coeso, equilibrado e muito forte na marcação e nos contra-ataques.
O Coritiba de 1985 foi um dos maiores trabalhos da carreira de Ênio Andrade, que conseguiu montar um time coeso, equilibrado e muito forte na marcação e nos contra-ataques.

A consagração no mais apropriado dos palcos
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O Campeonato Brasileiro de 1985 foi decidido em partida única, no Maracanã, por duas equipes que poderiam deixar de ser “pequenas” para se tornarem gigantes do futebol brasileiro. De um lado, o Coritiba de Ênio Andrade. Do outro, o surpreendente Bangu de Marinho e Ado, que tinha mais de 90 mil pessoas vibrando e torcendo pelo clube alvirrubro, que ganhou naquela partida o reforço de botafoguenses, flamenguistas, vascaínos e tricolores, que se uniram ao clube de Moça Bonita pelo bem do futebol carioca. Diante de um adversário que jogava em casa e com a torcida quase toda a favor, o Coritiba mostrou sangue frio e força ao abrir o placar com um lindo gol de falta marcado por Índio, aos 26´do primeiro tempo. Dez minutos depois, Lulinha empatou para o Bangu, o jogo seguiu disputado, mas ninguém conseguiu marcar mais um gol. Com isso, a decisão foi para os pênaltis.
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Na marca da cal, os batedores mostraram muita competência e foram convertendo todas as suas cobranças, um a um. Com 5 a 5 no placar, a disputa foi para os chutes alternados. Ado bateu o primeiro do Bangu, mas chutou para fora. Gomes chutou o sexto pênalti e fez o gol que selou o improvável e inédito título brasileiro do Coxa. A festa foi enorme em Curitiba e em campo, afinal, pela primeira vez na história um clube do Paraná conquistava o maior título do futebol nacional. E Ênio Andrade conseguia muito mais: ele se tornava o primeiro técnico tricampeão brasileiro por três clubes diferentes, todos da região sul. Não havia consagração maior e em lugar melhor para o mestre.
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Vacas magras e renascimento em BH
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Após o incrível título brasileiro de 1985, Ênio Andrade dirigiu várias equipes no final dos anos 80, mas sem o sucesso de antes. Em 1989, o treinador assumiu o Cruzeiro e reencontrou um bom ambiente para voltar a levantar taças. Já em 1990, o técnico conquistou o título do Campeonato Mineiro, façanha que se repetiria em 1994 de maneira invicta (ao contrário do que dizem alguns livros e sites, o treinador não dirigiu o Cruzeiro em 1992, ano dos títulos do Campeonato Mineiro e do bi da Supercopa da Libertadores. O técnico da equipe em grande parte da temporada foi Jair Pereira). Mas foi em 1991, na Supercopa da Libertadores, que o treinador passou a ganhar uma notável admiração dos torcedores azuis.
No extinto torneio, Ênio levou o Cruzeiro até a final depois de enfrentar Colo-Colo-CHI (dois empates sem gols e vitória nos pênaltis por 4 a 3), Nacional-URU (4 a 0, em casa, e derrota por 3 a 0, fora), e Olimpia-PAR (empates em 1 a 1 e 0 a 0 e vitória nos pênaltis por 5 a 3). A decisão foi contra o River Plate-ARG, que venceu o primeiro duelo disputado na Argentina por 2 a 0. Na partida de volta, Ênio mostrou que a mascote cruzeirense (Raposa) era uma mera aprendiz perto da astúcia e malandragem que ele possuía. Antes do jogo no Mineirão, o treinador conseguiu um gandula chileno para trabalhar bem próximo do banco de reservas do time argentino e transmitir sorrateiramente durante o jogo as informações que o treinador Daniel Passarella passava aos seus comandados. Quando o argentino falava algo no banco ou para um jogador específico, o maroto chileno se mandava correndo até o banco cruzeirense para contar tudo a Ênio Andrade. Munido das informações do inimigo, ficou fácil para o “raposo” anular os rivais taticamente e dar o título ao Cruzeiro, que venceu o duelo por 3 a 0, com dois gols de Mário Tilico e um de Ademir.

Última astúcia, aposentadoria e o adeus
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Depois de deixar o Cruzeiro no começo de 1992 e comandar Bragantino e Internacional (este pela quarta vez na carreira), Ênio Andrade voltou ao Cruzeiro para mais duas passagens, em 1994 e 1995. Na última, o treinador fechou com chave de ouro sua trajetória na equipe azul com o título da Copa Ouro, que valeu uma vaga na Supercopa da Libertadores de 1995. O adversário da final foi o São Paulo de Telê Santana, já sem a força de antes, mas com bons jogadores como Zetti, Bordon, Ronaldo Luís, Toninho Cerezo, Denílson, Caio e Palhinha. No primeiro duelo, no Mineirão, o São Paulo abriu 1 a 0 com apenas sete minutos e o Cruzeiro passou a colecionar expulsões. Primeiro, o zagueiro Rogério. Em seguida, Vanderci, Fabinho e Marcelo Ramos foram para o chuveiro por reclamação. Com apenas sete homens em campo apenas no primeiro tempo, Ênio Andrade tinha a certeza que seu time seria goleado pelo tricolor de Telê. Por isso, tratou de armar um jeito legal para sua equipe seguir viva na competição já pensando no próximo jogo. O técnico orientou o meia Luis Fernando Gomes a simular uma contusão logo nos primeiros minutos da segunda etapa com o intuito de forçar o árbitro a encerrar a partida, afinal, a regra não permite um time jogar com menos de sete jogadores. Dito e feito, Gomes começou o segundo tempo, esperou o momento certo e desabou. A partida foi encerrada e o São Paulo saiu de Minas com apenas um gol de vantagem.
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Na volta, Dinei fez o gol salvador do Cruzeiro que levou a decisão para os pênaltis. Nela, os mineiros venceram por 4 a 1 e faturaram o título e a vaga na competição continental. E tudo graças à esperteza de Ênio Andrade, que manteve seu time vivo de maneira polêmica, claro, mas absolutamente legal. Após o título, o técnico foi demitido do clube no meio do Campeonato Brasileiro, fato que o entristeceu muito, bem como a torcida azul que tinha certeza no título nacional daquele ano (o Cruzeiro acabou caindo na semifinal para o Botafogo, campeão de 1995).
Ênio Andrade não dirigiu mais nenhum clube depois de 1995 e sofreu com os anos e anos de vício em cigarros. Com o pulmão condenado por causa da nicotina, o mestre dos vestiários acabou falecendo em 1997, aos 68 anos, em Porto Alegre, a cidade que tanto vibrou com os esquadrões do Internacional e do Grêmio que Ênio teve orgulho em montar em 1979 e 1981. Bem perto dali, a cidade de Curitiba também chorou o adeus do até então único homem capaz de fazer um time do estado campeão do Brasil. E bem longe de lá, na quente cidade do Recife, tricolores e alvirrubros lamentavam a perda do paizão que garantiu horas e horas de frevo extra em 1976 e 1984. Primeiro tricampeão brasileiro por três clubes diferentes, único campeão brasileiro invicto e um dos poucos a ser ídolo de torcidas rivais, Ênio Andrade deixou para sempre um legado de talento, competitividade e uma rara técnica para montar times campeões. Um técnico imortal.

Futebol interior

Um comentário:

  1. Flavio tu quer me matar com todo esse texto..Chorei em diversas passagens. Obrigada, mas obrigada mesmo por cada palavra, homenagem, referência com carinho e admiração pelo meu pai. Sim, sou uma das filhas do Ênio. Somos em 4 filhos e esse ano, infelizmente meu irmão mais velho, o Rogério, faleceu vítima de câncer de pulmão, assim como o Pai. São duas perdas que nos fazem sangrar, lamentar muito... mas o pai deixou seu legado. Nos enche de orgulho, ao ser sempre lembrado com tanto carinho, pela linda passagem de vida que aqui ele plantou e nos deixou. Muito, muito obrigada!

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