CRUZEIRO e.c 1965-1969
Grandes feitos: Campeão Invicto da Taça Brasil (1966) e Pentacampeão Mineiro (1965, 1966, 1967, 1968 e 1969). Mudou para sempre a ordem do futebol brasileiro (outrora baseado apenas nos grandes times do Rio e de São Paulo) com a conquista da Taça Brasil de 1966.
Time base: Raul; Pedro Paulo, Willian (Fontana), Procópio e Neco; Wilson Piazza (Zé Carlos) e Dirceu Lopes; Natal, Tostão, Evaldo e Hilton Oliveira. Técnicos: Airton Moreira (1965-1967), Orlando Fantoni (1967-1968) e Gérson Santos (1969).
“Sim, cariocas e paulistas, Minas Gerais também tem futebol arte”
Até o ano de 1965, o futebol brasileiro se resumia às forças dos times de São Paulo e Rio de Janeiro. Santos, Botafogo, Palmeiras, Fluminense, Vasco, Flamengo, Corinthians e São Paulo, nesta ordem, eram as potências que ditavam o esporte no país. Os clubes de estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul sequer figuravam nessa lista, se restringindo às competições estaduais. Apenas o Bahia, em 1959, que conseguiu quebrar por um momento essa ordem quando levantou a primeira edição da Taça Brasil. Mas, a partir de 1965, um clube azul de Minas Gerais deu as caras e mostrou ao Brasil um futebol brilhante, rápido, leve, artístico, inesquecível. Raul, Procópio, Piazza, Zé Carlos, Dirceu Lopes, Natal, Evaldo e, sobretudo, Tostão, mostraram no Cruzeiro de 1965-1969 que nem só de Rio e SP vivia o futebol nacional. A consagração desse esquadrão foi na final da Taça Brasil de 1966, quando os azuis de Belo Horizonte deram um vareio em ninguém mais ninguém menos que o Santos de Pelé, ao aplicar 6 a 2 em Minas e 3 a 2 em São Paulo, conquistando pela primeira vez o principal torneio do Brasil à época. A vitória cruzeirense foi tão marcante e importante que nunca mais o estado de Minas foi esquecido. Melhor, o eixo mudou para sempre e foi criado, já em 1967, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, embrião do que seria mais tarde o Campeonato Brasileiro, em 1971. É hora de relembrar as façanhas do time que é, até hoje, xodó da torcida azul.
Categorias de base – caminho para as glórias
No meio da temporada de 1964, sem ver a cor da taça do Campeonato Mineiro há três anos, o Cruzeiro decidiu mudar. O time demitiu o treinador Mário Celso de Abreu e colocou no comando da equipe o gerente de compras do clube, Airton Moreira. Hoje, isso seria uma insanidade, mas em pouco tempo aquela medida seria mais do que acertada. Moreira começou a mostrar um lado todo futebolístico e não só baseado em orçamentos ou números. Rapidamente, o treinador trouxe para a equipe principal talentos vindos das categorias de base como Dirceu Lopes, Natal e Pedro Paulo, além de contar com o seguro e impecável Piazza e um jovem prodígio que fazia estragos nas zagas adversárias: Tostão. Com ajustes, muitos treinos e o entrosamento perfeito entre Dirceu Lopes e Tostão, o Cruzeiro ganhou um volume de jogo fantástico, com muita habilidade, técnica, velocidade e criatividade. Para o sucesso, era uma questão de tempo. Curtíssimo tempo.
As primeiras exibições no Mineirão
Depois de não conquistar o Mineiro em 1964, o Cruzeiro deu a volta por cima e voltou a gritar é campeão depois de quatro anos, com o título incontestável do campeonato estadual de 1965. De quebra, o clube se tornou o primeiro a conquistar o torneio no recém-inaugurado Mineirão, que seria um dos maiores símbolos e “parceiros” no apogeu do time. A equipe venceu o torneio com 18 vitórias, três empates e apenas uma derrota, com 69 gols marcados em 22 jogos. Naquele ano, Tostão e Dirceu Lopes começavam a se entender quase que por telepatia, fazendo a dupla uma das mais famosas do futebol brasileiro, podendo ser comparada a outras de sucesso como Pelé e Coutinho e Gérson e Jairzinho. O Cruzeiro tinha na época um padrão de jogo que explorava a velocidade, o talento de seus jogadores e uma organização tática muito eficiente. O futebol vistoso encantava a todos em Minas e passaria a ser admirado por todo país no ano seguinte, com a classificação do clube azul para a Taça Brasil.
Bi e a caminhada na Taça Brasil
Já com um time entrosado e pronto para brilhar, o Cruzeiro levou com facilidade o bicampeonato mineiro, com Tostão como artilheiro com 18 gols e o time azul novamente com uma campanha memorável: 20 vitórias, um empate e uma derrota em 22 jogos, com 77 gols marcados e apenas 16 sofridos. Era fato que o timaço azul não tinha mais rivais no estado, com a equipe de Tostão e companhia almejando voos mais altos, visando o caneco da Taça Brasil, que há cinco anos tinha um só dono: o Santos de Pelé.
Como campeão mineiro, o Cruzeiro entrou na principal competição do país na decisão do grupo centro, contra o Americano (RJ), e venceu os dois jogos por 4 a 0 no Rio e 6 a 1 em MG. Na fase seguinte, o time encarou o Grêmio, vencedor do grupo sul. Depois de um empate sem gols no jogo de ida, em Porto Alegre, o Cruzeiro venceu o tricolor por 2 a 1 em MG e garantiu a classificação. Na semifinal, outro tricolor: o Fluminense. Tostão e companhia não ligaram para a pressão e venceram os dois jogos, por 1 a 0 em MG e 3 a 1 no Rio, colocando pela primeira vez na história um clube de Minas na final da Taça Brasil. Mas o adversário seria o temível Santos, que tinha todo o favoritismo para ficar com o hexacampeonato.
A maior exibição cruzeirense
As finais da Taça Brasil estavam marcadas para o Mineirão e para o Pacaembu. O time mineiro teria que construir um bom placar no jogo de ida para ir com a vantagem na volta, quando o Santos seria letal. O time paulista, o melhor do planeta na época, tinha os nomes clássicos que qualquer amante do futebol sabe de cor, como Gilmar, Carlos Alberto Torres, Mauro Ramos, Zito, Lima, Dorval, Toninho Guerreiro, Pepe e o rei Pelé. Era um timaço que dava bailes, aplicava goleadas impiedosas e era conhecido no mundo todo. Mas o Cruzeiro não ligou para a pressão psicológica que aquele time brancaleone impunha e fez, naquele 30 de novembro de 1966, a maior partida de sua história. Isso mesmo. O Mineirão viu naquela noite o maior baile que o Cruzeiro Esporte Clube já aplicou em um time na história do futebol. O Cruzeiro começou num ritmo alucinante e abriu o placar logo com um minuto de jogo, com Zé Carlos, contra. Aos cinco minutos, Natal recebeu de Evaldo, fintou Zé Carlos e fez o segundo do Cruzeiro. Aos 20, Dirceu Lopes driblou duas vezes um zagueiro santista para fazer 3 a 0. Aos 39´, Dirceu Lopes fez outra linda jogada, fingiu que ia chutar e emendou um chute de curva, sem chances para Gilmar: 4 a 0. Aos 41´, Dirceu (de novo) driblou metade do time do Santos e foi derrubado na área: pênalti. Tostão bateu e fez o quinto. Isso mesmo, o quinto gol do Cruzeiro em apenas um tempo: 5 a 0. Pelé? Nem viu a bola. O Santos? O Cruzeiro achava que era um time do interior de Minas… Na segunda etapa, o time azul diminuiu o ritmo e passou a tocar mais a bola, fazendo o Santos acordar e diminuir para 5 a 2, com dois gols de Toninho logo nos primeiros dez minutos de jogo. Porém, aos 27´, Tostão deu um passe para Evaldo, que chutou forte. Gilmar espalmou e no rebote Dirceu decretou o fim do baile: Cruzeiro 6×2 Santos. O Mineirão explodiu em alegria com um show pirotécnico e inesquecível do time azul. Tostão, Dirceu e companhia mostravam para todo Brasil que nem só de Santos vivia o futebol nacional. Havia muita, mas muita coisa boa, também, vestindo o azul e branco do Cruzeiro. Após o jogo, Tostão foi amplamente aclamado como “novo rei” por muitos jornais da época, rótulo que ele recusou, pois para ele o rei era um só: Pelé. Mas, pelo menos naquela noite, o “rei” vestia o manto azul do Cruzeiro.
Campeões eternos
No jogo de volta, no Pacaembu, a chuva castigou o gramado e prejudicou o futebol mais ofensivo e leve do Cruzeiro, o que dava uma vantagem ao experiente time santista. Precisando fazer gols, o time paulista foi com tudo para cima dos mineiros e abriu 2 a 0 com gols de Pelé e Toninho, apenas no primeiro tempo, e com Tostão perdendo um pênalti. Todos acreditavam que o Santos devolveria a derrota do primeiro jogo, tanto é que no intervalo o presidente do Santos, Athiê Jorge Cury, foi ao vestiário do Cruzeiro para acertar a data do terceiro jogo! O presidente do Cruzeiro expulsou Cury e o presidente da Federação Paulista de Futebol, Mendonça Falcão, aos berros, e usou o ato para aumentar o brio dos jogadores. E deu certo. Piazza passou a marcar Pelé como se não houvesse amanhã, Tostão e Dirceu trataram de usar todas as suas armas técnicas possíveis e o Cruzeiro deu show. Aos 12´do segundo tempo, numa falta pela direita que todos achavam que Tostão ia cruzar, o craque chutou direto, marcando um golaço e diminuindo o placar. Aos 28´, Dirceu driblou um zagueiro e chutou sem chances para o goleiro do Peixe: 2 a 2. O empate dava o caneco ao Cruzeiro, mas o time azul não quis saber de se fechar e continuou a dar sufoco ao Santos, quando aos 44´, Tostão passou por dois e cruzou para Natal empurrar pro gol: 3 a 2.
O Cruzeiro, de virada e na casa do adversário, vencia um dos maiores times de todos os tempos e conquistava pela primeira vez a Taça Brasil. A torcida do time começaria a crescer de maneira profunda e o país inteiro aplaudia aqueles jovens craques cheios de talento, habilidade e genialidade. Ali, naquela conquista, o Cruzeiro mudava para sempre a ordem do cenário futebolístico nacional, que passaria a olhar também para Minas Gerais e não só para Rio e SP. A importância do título foi tão grande que o Torneio Rio-SP de 1967 passaria a incluir, também, as equipes de Minas Gerais e de outros estados, dando origem ao Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Os azuis de Belo Horizonte estavam no topo.
Pentacampeões
Com o Mineirão como casa e milhões de novos torcedores, o Cruzeiro foi deixando o principal rival do estado, o Atlético-MG, comendo poeira. O time azul faturou os estaduais de 1967, 1968 e 1969, que resultaram num histórico pentacampeonato, mesmo perdendo no meio do caminho o técnico Airton Moreira, que deixou o comando técnico do time em 1967 por problemas de saúde. Entre o final daquele ano e 1969, o time foi comandado por Orlando Fantoni e Gérson Santos, que mantiveram o talento e magia dos azuis. As taças estaduais, porém, não se repetiram em âmbito nacional, com o Cruzeiro ficando na terceira posição, em 1967, e na quarta, em 1968, na Taça Brasil, e com o vice-campeonato do Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1969.
O embrião para momentos históricos
Depois do caneco estadual de 1969, o Cruzeiro foi perdendo a intensidade e o brilho por alguns anos, além de perder Tostão e outros craques. O time, porém, voltaria a brilhar na segunda metade da década de 70 com outra equipe histórica, campeã da América, que você pode ler clicando aqui. Mas o que ficou para sempre foram os bailes que aquele esquadrão deu nos adversários sempre com o Mineirão lotado, que virou sinônimo de vitórias, além de se transformar num caldeirão que fervia os nervos dos adversários, que tinham de suportar a torcida azul e aguentar por 90 minutos a intensidade de jogadores como Procópio, Neco, Wilson Piazza, Zé Carlos, Evaldo e do trio irresistível composto por Natal, Tostão e Dirceu Lopes. Um esquadrão imortal.
Os personagens:
Raul: foi no Cruzeiro que Raul fez história não só pela segurança, defesas milagrosas e incrível regularidade, mas também por inovar e utilizar camisas amarelas como uniforme de jogo, quebrando a monotonia do preto ou cinza dos goleiros da época. Foi um dos jogadores mais vitoriosos da história do futebol brasileiro, multicampeão pelo Cruzeiro e, já veterano, pelo Flamengo, na década de 80.
Pedro Paulo: forte, vigoroso, raçudo… Pedro Paulo foi um dos grandes na zaga do Cruzeiro naqueles anos mágicos da década de 60. Foram 11 anos de clube e muitas glórias. Marcava muito bem e não dava chances aos atacantes que teimavam entrar na zaga do time.
Willian: começou no maior rival do Cruzeiro, o Atlético, mas foi na Raposa que o zagueiro viveu seu melhor momento, fazendo uma ótima dupla com Procópio. Foi essencial para a conquista da Taça Brasil de 1966.
Fontana: depois de brilhar ao lado de Brito, no Vasco, foi para o Cruzeiro em 1969, justo quando o time estava perdendo o encanto dos anos anteriores. Mesmo assim, cumpriu seu papel na zaga do time com suas atuações sempre cheias de virilidade e coragem. Fez parte do grupo da seleção brasileira tricampeã mundial na Copa de 70.
Procópio: teve duas passagens pelo Cruzeiro, ambas marcadas pela técnica e regularidade na grande área da Raposa. Foi peça essencial na conquista da Taça Brasil de 1966 e quase encerrou a carreira em 1968, quando sofreu uma séria lesão no joelho, após dividida com Pelé. Voltou cinco anos depois, se aposentando no próprio Cruzeiro.
Neco: foi lateral esquerdo do timaço azul naqueles anos mágicos, ajudando tanto a zaga quanto o apoio ao ataque. Jogou, também, no Corinthians.
Wilson Piazza: gigante na defesa, Piazza desarmava como poucos e tinha muita técnica. Foi um dos maiores craques da história do Cruzeiro e causava terror em Pelé, por conta de sua marcação implacável quando jogava contra o Rei. Foi um dos talentos do Brasil na Copa de 70 e jogou até meados de 1977, tendo tempo de vencer a Libertadores pelo clube azul, em 1976. Um mito.
Zé Carlos: carregador de piano e cheio de vontade, Zé Carlos só virou titular absoluto depois da primeira fase de ouro do time, para se consagrar no meio de campo azul nos anos 70. É o jogador que mais vezes vestiu a camisa do Cruzeiro, com 633 jogos disputados. Ídolo da Raposa.
Dirceu Lopes: foi o primeiro “furacão” a passar pelo Cruzeiro (o segundo foi Jairzinho, na década de 70) com muitos gols, habilidade, técnica e um entrosamento mágico ao lado de Tostão. Foi absoluto nos anos 60 como um dos maiores craques do Brasil. Arisco e extremamente rápido, não deixava nenhum zagueiro lhe atrapalhar, mesmo com sua baixa estatura. Ganhou três Bolas de Prata da Revista Placar e foi um dos maiores ídolos da história do clube. É o segundo maior artilheiro do Cruzeiro com 223 gols marcados.
Natal: ponta-direita endiabrado, rápido, era um dos maiores reflexos da agilidade daquele super Cruzeiro. A exemplo de Dirceu, quase ninguém conseguia parar aquele alegre jogador, ídolo da torcida por anos no Mineirão. Sua maior presa era, claro, o Atlético, que sofria com as investidas do craque.
Tostão: é o maior ídolo da história do Cruzeiro, cerebral, craque, goleador, genial e um dos maiores meias/atacantes do futebol brasileiro nas décadas de 60 e 70, além de ter sido decisivo na conquista do tricampeonato mundial do Brasil. Dono de uma técnica apurada e visão de jogo formidável, Tostão só não fez chover (ou fez?) com a camisa do Cruzeiro naqueles anos mágicos. Encerrou a carreira precocemente, aos 27 anos, por uma inflamação na retina. É o maior artilheiro da história do clube com 242 gols. Um imortal da bola.
Evaldo: marcou sete gols na campanha da Taça Brasil de 1966, sendo o artilheiro da equipe e um dos principais jogadores do ataque azul. Talentoso e rápido (que clichê…), Evaldo disputou 294 jogos e marcou 111 gols com a camisa do Cruzeiro.
Hilton Oliveira: outro ponta de talento do time, Hilton Oliveira fechava a linha inesquecível de ataque do Cruzeiro, que tinha ainda Evaldo, Tostão e Natal. Jogou mais de 300 jogos pelo clube.
Airton Moreira, Orlando Fantoni e Gérson Santos (Técnicos): Airton Moreira foi, sem dúvida, um dos principais técnicos da história do Cruzeiro, responsável por construir o time dos sonhos que encantou Minas Gerais e o Brasil naqueles anos mágicos. Usava e abusava da ofensividade sem perder a qualidade na defesa, jogando na maioria das vezes num 4-2-4 ou até mesmo num 4-1-5, tamanha qualidade no ataque. Com sua saída, Fantoni e Santos mantiveram a classe cruzeirense, mas sem a intensidade do time de 1965 e 1966.
futebol interior
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