JOHAN CRUYFF
Nascimento: 25 de abril de 1947, em Amsterdã, Holanda.
Times que treinou: Ajax-HOL (1985-1988), Barcelona-ESP (1988-1996) e Seleção da Catalunha (2009-2013).
Principais títulos por clubes: 1 Recopa da UEFA (1986-1987) e 2 Copas da Holanda (1985-1986 e 1986-1987) pelo Ajax.
1 Liga dos Campeões da UEFA (1991-1992), 1 Supercopa da UEFA (1992), 1 Recopa da UEFA (1988-1989), 4 Campeonatos Espanhóis (1990-1991, 1991-1992, 1992-1993 e 1993-1994), 1 Copa do Rei (1989-1990) e 3 Supercopas da Espanha (1991, 1992 e 1994) pelo Barcelona.
Principais títulos individuais: Melhor técnico do ano pela revista World Soccer: 1987
Prêmio Don Balón de Melhor Técnico do Ano no futebol espanhol: 1991 e 1992
Onze d´Or de Melhor Técnico do Ano: 1991 e 1992
“O revolucionário e sua totalidade”
Imagine que em um belo dia você abrisse o jornal e visse que o jogador com maior inteligência tática e técnica de toda a história do futebol decidisse se tornar treinador. Seria o técnico perfeito, certo? Bem, ele chegou bem perto disso. Muito perto. Após se aposentar dos gramados consagrado como gênio, ídolo e símbolo máximo do melhor Ajax e da melhor Holanda de todos os tempos, Johan Cruyff, o “craque total”, decidiu aplicar tudo o que havia aprendido em mais de 20 anos como jogador profissional nas pranchetas. Seu início, como não poderia deixar de ser, foi no mesmo clube que ele ajudou a engrandecer: o Ajax. Por lá, mostrou que categoria de base era coisa séria e plantou a semente do que viria a ser, anos depois, o segundo melhor time do clube na história – o esquadrão campeão mundial e da Europa em 1995. Depois de alguns anos (e títulos) em Amsterdã, Cruyff seguiu o mesmo caminho dos tempos de atleta e foi para o Barcelona. Por lá, ele fez questão de realizar a obra de sua vida, seu best seller, sua magnitude como profissional do esporte. Durante oito anos, Cruyff transformou para sempre o FC Barcelona e fez valer como nunca a marcante frase “mais que um clube” tão difundida com o tempo. Na Catalunha, o holandês transformou as categorias de base, fez o clube incorporar à sua filosofia futebolística o futebol ofensivo e a troca de passes de ampla qualidade e, claro, levou oBarça a títulos inesquecíveis, marcantes e inéditos. Entre 1991 e 1994, o clube dominou a Espanha, chegou ao topo da Europa e só não foi o maior do planeta porque topou com uma “Ferrari tricolor”. Ele fez aquele timaço jogar sempre no ataque com o intuito de divertir tanto o público como os próprios jogadores. O futebol era o oxigênio de Cruyff, como ele sempre disse, e ele se divertia praticando ou comandando onze atletas dentro de campo. Uma pena que problemas de saúde tenham abreviado sua carreira, que foi curta, porém marcante e que o colocou para sempre no rol dos maiores técnicos que o futebol já teve, um homem que sempre quis ver futebol bonito, jogadores aplicados taticamente e que nunca hesitou em topar de frente com qualquer estrela, fosse ela do naipe de Stoichkov, Laudrup ou Romário. É hora de relembrar.
Conhecimento pleno
Criado desde garoto no Ajax, onde sua mãe era lavadeira, Cruyff virou futebolista por recomendações médicas, para que o esporte pudesse lhe ajudar a combater uma má formação nas pernas que o obrigava a utilizar aparelhos ortopédicos. Com o tempo, Cruyff se tornou um prodígio, superou o problema físico e o que mais fez na carreira foi, ironicamente, correr, correr e correr por todo o campo. Tricampeão europeu, multicampeão nacional e campeão mundial pelo Ajax, o craque venceu inúmeros prêmios individuais, foi líder da Holanda na Copa de 1974 e se mudou para o Barcelona-ESP, onde também teve a companhia do técnico que foi fundamental para seu crescimento tático: Rinus Michels. A dupla fez história no Barça, conquistou títulos, e Cruyff ganhou a simpatia de todos na Catalunha para depois passar por clubes dos EUA e encerrar a carreira no Feyenoord, em 1984.
Apaixonado pelo esporte, Cruyff não aguentou ficar parado nem um ano e já em 1985 decidiu se aventurar na carreira de técnico de futebol. Ele queria continuar o que seu mestre Michels havia começado lá no final dos anos 60 e ensinar a mais jovens talentos que o futebol podia ser praticado com beleza, ofensividade e prazer, não apenas como meio de ganhar dinheiro ou ficar famoso. Seu início foi no Ajax, onde teve carta branca da diretoria para implantar seus métodos e trabalhar da maneira que fosse melhor. Logo de cara, o treinador ensinou os jogadores a atuarem no futebol total e a aprenderem a se locomover por todos os espaços do campo e sempre buscar o gol, com um esquema tático baseado no 3-4-3, com três homens versáteis na zaga, quatro no meio de campo, sendo um mais recuado, como volante genuíno, dois mais abertos e um meia bem ofensivo mais centralizado, dois pontas rápidos e habilidosos e um centroavante técnico, com notável senso de posicionamento e que fosse perito na arte da fazer gols. No começo, os atletas do Ajax penaram para aprender aquele monte de linha, vai ali e corre para lá, mas, aos poucos, foram entrando nos eixos, além de todas as categorias do clube obedecerem ao mesmo padrão de jogo.
Entre os jovens de talento daquele time, Cruyff olhava com mais atenção para Marco van Basten, um atacante simplesmente sensacional e inteligentíssimo, Danny Blind, zagueiro com ótima visão de jogo e muito seguro, Frank Rijkaard, polivalente que podia jogar na zaga, no meio de campo e até como meia, Aron Winter, meio-campista que aliava força defensiva com ótima presença no ataque, Jan Wouters, outro talento do meio de campo, e Dennis Bergkamp, frio, técnico e sublime com a bola nos pés, que teria suas primeiras chances como profissional justamente pelas mãos de Cruyff.
Goleadores e copeiros
Em sua primeira temporada como técnico do Ajax, Cruyff fez de seu time um paraíso para que o capitão, Van Basten, se tornasse uma verdadeira máquina de gols. Com bolas vindas de todos os cantos do campo e com muita velocidade, o atacante anotou 37 gols no Campeonato Holandês e ajudou o clube a ter o melhor ataque do torneio com incríveis 120 gols em apenas 34 jogos, uma média de 3,53 gols por partida! O time sofreu 35 gols e teve um saldo de 85 tentos. O título ficou com o PSV, mas a campanha alvirrubra mostrou que a vitória valia mais do que qualquer coisa. O Ajax terminou a competição com 25 vitórias, apenas dois empates e sete derrotas, uma prova de que os comandados de Cruyff preferiam tentar o triunfo ao invés de se contentar com um empate. Na Copa da Holanda, a equipe despachou os rivais pelo caminho e faturou o título com uma vitória por 3 a 0 (dois gols de Bosman e um de Silooy) na final contra o RBC Roosendaal, título que deu ao clube uma vaga na Recopa da UEFA, o segundo mais importante torneio da Europa na época.
Na competição continental, o Ajax eliminou o Bursaspor-TUR com 7 a 0 no agregado, Olympiacos-GRE, com 5 a 1 no agregado, Malmö-SUE, com 3 a 2 no agregado, e Real Zaragoza-ESP, com 6 a 2 no agregado, chegando à final com moral e após partidas marcantes de Van Basten, Bosman, Rijkaard e companhia. Na decisão, no estádio Olímpico de Atenas (GRE), os alvirrubros venceram o Locomotive Leipzig-ALE por 1 a 0, com um gol de Van Basten, que foi cobrado sem dó por Cruyff antes da final, que disse ao atacante que “iria destruí-lo” se ele não chamasse a responsabilidade e definisse a partida. O craque cumpriu com sua missão e iria fazer dos jogos decisivos seu principal palco, como na final da Eurocopa de 1988, pela Holanda, e na final da Liga dos Campeões da UEFA de 1989, pelo Milan-ITA.
Além do título continental, o Ajax de Cruyff venceu o bicampeonato da Copa da Holanda após derrotar o Den Haag na decisão por 4 a 2, com dois gols de Van Basten e dois de Bosman. No Campeonato Holandês, a equipe voltou a flertar com o título, mas o PSV provou ser o maior time do país na época e acabou ficando com o título, mas não sem perder de 3 a 0 para o Ajax em Amsterdã. Reconhecido por seu trabalho e pela maneira incisiva e dominante que sua equipe jogava, Cruyff começou a atrair a atenção de dirigentes do Barcelona, que queria voltar aos tempos de glória diante de uma incômoda hegemonia do rival Real Madrid em solo nacional. Em 1988, mesmo ano que a Holanda venceu a Eurocopa sob o comando de Rinus Michels e com vários jogadores lapidados por Cruyff, o time catalão fez uma oferta ao treinador e conseguiu contratá-lo já para a temporada 1988-1989. Era o início de tempos fantásticos na Catalunha.
A revolução
O namoro de Cruyff com o Barcelona vinha lá dos anos 70, e a vontade do holandês em mudar para sempre a história do clube teve início em 1979, quando ele convenceu o presidente Josep Núñez a criar um centro de formação de atletas semelhante ao que já existia no Ajax, a Ajax Academy. Foi a deixa para a criação de La Masia, o famoso centro de formação de jovens craques do Barcelona. De volta ao clube naquele ano de 1988, Cruyff tinha a missão não só de dirigir o time, mas também de arrumar a bagunça após uma temporada sofrível e repleta de problemas – Luis Aragonés deixou o comando técnico para a entrada de Carles Rexach, 80 notáveis do clube pediram a demissão do presidente Núñez, Schuster abandonou o time para assinar com o Real Madrid e vários jogadores se uniram em um hotel, convocaram a imprensa e falaram abertamente sobre seus descontentamentos com o presidente catalão, no caso que ficou conhecido como “motín del Hesperia”.
Para retomar o caminho dos títulos e também da honra, Cruyff olhou com cuidado para La Masia e traçou um projeto a curto e longo prazos com foco total na formação de jogadores e olhares atentos a talentos de outros países. Logo de cara, o holandês dispensou vários atletas que não se adequavam ao seu estilo, procurou reforços dentro do próprio futebol espanhol (Begiristian e Bakero, ambos da Real Sociedad, Julio Salinas, do Atlético de Madrid e Andoni Goikoetxea, do Osasuna) e viu nas canteras jovens de talento que poderiam ser utilizados no elenco principal tais como Guillermo Amor, Josep Guardiola e Albert Ferrer. Em seus treinamentos, Cruyff exigia aplicação total e mostrava que a bola sempre deveria estar sob os pés de seus comandados, que não podiam oferecer chance alguma ao adversário, muito menos espaços. A ofensividade deveria ser plena e a concentração idem, sem margem alguma para erros. Tanto os times juvenis quanto o profissional jogavam da mesma maneira e ele rapidamente criou a identidade do futebol bonito e eficiente no clube, além de mostrar para a diretoria que talento deveria ser feito em casa, pois era mais barato, mais eficiente e o clube só teria a ganhar com isso, pois os jogadores seriam mais fiéis às cores do Barça e não sairiam do time na primeira proposta que recebessem.
Os primeiros louros
Muitos na Espanha duvidavam que Cruyff pudesse ter vantagem ao expor o Barcelona num esquema com apenas três homens no setor defensivo e quatro no meio de campo, com um só centroavante e dois jogadores mais abertos pelas pontas. Mas o que eles perceberam foi que o Barça começaria a controlar o jogo de maneira inteligente, com toques de bola precisos sem dar espaços para os rivais. Claro que o início não foi fácil e o time foi se adaptando aos poucos. No Campeonato Espanhol, a equipe foi vice-campeã na temporada 1988-1989, mas celebrou a conquista da Recopa da UEFA após derrotar a forte Sampdoria de Pagliuca, Cerezo, Vialli e Roberto Mancini na decisão, em Berna, por 2 a 0, com gols de Salinas e Rekarte.
Na temporada seguinte, a equipe não bisou a Recopa, mas trouxe importantes reforços como o defensor holandês Ronald Koeman e o dinamarquês Michael Laudrup, que viveria uma relação de altos e baixos com Cruyff. No Campeonato Espanhol, mais uma vez o título não veio e a torcida não ficou nada satisfeita em ver o rival Real Madrid celebrar o quinto caneco seguido. A volta por cima aconteceu na Copa do Rei, quando o Barça encarou justamente o Real Madrid na final e venceu por 2 a 0, com gols de Salinas e Amor, com este destacando a importância daquele título para o futuro do time na década que se iniciava:
“Era um título que precisávamos porque era a última tentativa de vencer algo na temporada. No clube, escutávamos várias coisas sobre aquela hegemonia do Madrid, e o caneco nos deu muita confiança para seguir o trabalho”. Guillermo Amor, em entrevista ao diário Marca.
Cruyff foi outro que celebrou aquela conquista pelo fato de ela lhe segurar no cargo de treinador, que já estava balançando por causa do jejum de conquistas nacionais. Após selar a boca dos críticos momentaneamente, o holandês começaria a nova década com muito apetite. Para azar dos rivais.
A formação do Dream Team
Enquanto La Masia formava craques para o futuro, Cruyff buscava jogadores para o presente do Barcelona. Depois das boas contratações no final da década, o holandês fez questão de contar com o talento do atacante búlgaro Hristo Stoichkov, que havia brilhado no CSKA Sofia e dado um trabalho danado para o próprio Barcelona na disputa da Recopa de 1988-1989. Com Zubizarreta no gol, Ferrer e Koeman no setor defensivo, Eusebio, Bakero e Begiristian no meio, e Laudrup, Salinas e Stoichkov mais avançados, o Barcelona começava a ganhar forma e um traço competitivo marcante. Depois de anos e anos de domínio do rival de Madrid, o time conseguiu acabar com a brincadeira dos merengues e venceu o Campeonato Espanhol com dez pontos de vantagem sobre o Atlético de Madrid-ESP e uma campanha que teve 25 vitórias, sete empates, seis derrotas, 74 gols marcados (melhor ataque) e 33 gols sofridos em 38 jogos, com destaque para a goleada de 6 a 0 sobre o Athletic Bilbao, fora de casa, com quatro gols de Stoichkov. Durante a temporada, o time sofreu com a contusão de Koeman, que ficou três meses de molho, uma suspensão de Stoichkov por dar um pisão em um árbitro e até com o susto que Cruyff deu ao sofrer uma insuficiência coronária que quase o matou por causa dos cigarros que fumava – e que lhe obrigou a colocar pontes de safena.
Em maio, depois de despachar, entre outros, o Dynamo Kyiv-URSS e a Juventus-ITA, o time catalão chegou a mais uma final de Recopa da UEFA e teve pela frente o Manchester United-ING de Alex Ferguson. Jogando em Roterdã (HOL), o Barça não conseguiu superar o matador Mark Hughes e perdeu por 2 a 1, com dois gols do galês. Vale lembrar que o time espanhol sofreu com importantes desfalques naquela partida, tais como o goleiro Zubizarreta, o meio-campista Amor e o atacante Stoichkov.
O título nacional deu ao Barça uma vaga na cobiçada Liga dos Campeões da UEFA de 1991-1992, competição que jamais havia sido vencida pelos catalães. A obsessão pela taça ganhou os ouvidos de Cruyff, que traçou o torneio como meta principal, mas sem descuidar dos compromissos locais. O time manteve a coroa no Campeonato Espanhol com um ponto de vantagem sobre o vice, o Real, teve mais uma vez o melhor ataque (87 gols em 38 jogos, sendo 46 do trio Stoichkov, Koeman e Laudrup), e só foi ser líder justamente na última rodada, para delírio de sua torcida e desespero dos madrilenos, que lideraram o torneio da 7ª até a 37ª rodada! Na Liga, o time espanhol superou alemães, tchecos, portugueses e russos até alcançar a sonhada final europeia contra um rival bem conhecido: a Sampdoria. Para aliviar a tensão pré-jogo de seus atletas, Cruyff fez questão de frisar: “Nós já estamos na final. Agora, saiam e desfrutem-na”. Mas o duelo no mágico Wembley não seria tão fácil assim.
Europa laranja e revés no Japão
Jogando de laranja (um singelo agrado ao treinador holandês…), o Barcelona dominou boa parte das ações do duelo contra os italianos, mas não conseguiu evitar a prorrogação. Nela, o zagueiro-artilheiro Ronald Koeman acertou um petardo em uma cobrança de falta e marcou o primeiro e único gol do jogo, dando o inédito título da Liga dos Campeões ao Barcelona. Enfim, o jejum na principal competição do planeta estava encerrado. E no melhor lugar possível: Wembley, onde o mesmo Cruyff venceu sua primeira Liga dos Campeões como jogador, com o Ajax, em 1971. O título no mesmo ano em que a cidade de Barcelona foi palco das Olimpíadas e viu o show pirotécnico do time de basquete dos EUA (bem “modesto”, que tinha, entre outros, Michael Jordan, Magic Johnson, Patrick Ewing, Charles Barkley, Larry Bird, Scottie Pippen e Karl Malone…) deu ao clube espanhol o apelido de Dream Team, que tinha qualidades notáveis em controle de jogo, toque de bola e plasticidade nas jogadas.
No final do ano, a equipe viajou até o Japão para lutar pela conquista do Mundial Interclubes contra o São Paulo-BRA, comandado por outro genial treinador: Telê Santana. Cruyff fez pouco caso do adversário e não hesitou em dizer que seu time venceria em apenas 90 minutos, sem prorrogação, e que não se assustava com o preparo físico do tricolor dizendo que “quem corre são os covardes”. Em campo, o Barcelona abriu o placar, mas não aguentou a pressão dos sublimes brasileiros e perdeu por 2 a 1, num jogo que Cruyff “queimou a língua” e reconheceu a superioridade tricolor dizendo, após o jogo: “Se for para ser atropelado, que seja por uma Ferrari. O São Paulo jogou como legítimo campeão do mundo”.
Supremacia nacional e a chegada do Baixinho
Na temporada 1992-1993, o Barcelona não conseguiu faturar o bi da Liga dos Campeões, mas fez a festa na Supercopa da UEFA (superou o Werder Bremen-ALE do técnico Otto Rehhagel após empate em 1 a 1 e vitória por 2 a 1) e faturou o tricampeonato nacional com mais um caneco conquistado na última rodada – e com o rival Real Madrid tropeçando para o modesto Tenerife. Daquela vez, a equipe foi a que mais ficou na liderança (20 rodadas) e, claro, teve o melhor ataque com 87 gols em 38 jogos, e Stoichkov como artilheiro do time com 20 gols, seguido de Begiristian, com 15.
Na temporada 1993-1994, Cruyff teve o reforço do brasileiro Romário no elenco e, como todos os treinadores que tiveram o privilégio de comandar o baixinho, se rendeu ao talento do craque. Com Romário em campo, Cruyff tinha o centroavante perfeito para destroçar qualquer rival e marcar gols e mais gols. Foi com Romário que Cruyff deixou transparecer seu lado “paizão” ao flexibilizar vontades após resultados demonstrados dentro de campo, como o próprio Cruyff disse:
“Uma vez, o Romário me perguntou se poderia faltar a dois dias de treinos para viajar ao Brasil por causa do carnaval. Eu disse: ´se você fizer dois gols amanhã, te dou dois dias a mais de descanso que o restante da equipe´. No dia seguinte, ele marcou o segundo gol dele no jogo com 20 minutos e imediatamente fez um gesto para mim pedindo para sair! (risos)”. Johan Cruyff.
O sisudo treinador deixou o baixinho viajar sossegado e o Barcelona teve naquela época um Romário matador, letal e genial, como no inesquecível 5 a 0 pra cima do Real Madrid, pelo Campeonato Espanhol, que teve três golaços do atacante e uma das melhores atuações coletivas e táticas daquele Dream Team. O time foi tetracampeão nacional com 25 vitórias, seis empates e sete derrotas em 38 jogos, com 91 gols marcados (melhor ataque) e 42 gols sofridos. Romário foi o artilheiro do time e do campeonato com 30 gols e se consolidou como um dos maiores jogadores do mundo na época.
Com tantas estrelas internacionais, aquele Barcelona se viu obrigado naquela temporada a fazer rodízio de suas estrelas por causa do limite de estrangeiros imposto pela UEFA na época. Com isso, era comum Laudrup ou Stoichkov se revezarem no banco de reservas, o que provocava algumas desavenças que causavam dores de cabeça em Cruyff, que tinha que ser extremamente cuidadoso para evitar problemas que pudessem atrapalhar o rendimento do time na temporada. Com um elenco forte e encorpado, o treinador voltou a conduzir com maestria seu Barça na Liga dos Campeões da UEFA. Após superar as fases iniciais, o time passou invicto pela fase de grupos após quatro vitórias e dois empates contra Monaco-FRA, Spartak Moscou-RUS e Galatasaray-TUR. Na semifinal, vitória por 3 a 0 sobre o Porto-POR, com dois gols de Stoichkov e um de Koeman e vaga na final para enfrentar um esfacelado Milan-ITA, que não teria vários titulares. Nunca um time chegava a uma final europeia com tanto favoritismo como aquele Barcelona. Jogando o fino e com vários craques, até mesmo os torcedores do Milan acreditavam que seu time seria presa fácil para os blaugranas. Mas, em Atenas, o Dream Team que tanto encantou a Espanha e a Europa iria começar a desaparecer.
A derrota que mudou tudo
No dia 18 de maio de 1994, o Barcelona enfrentou o Milan com o status astronômico de favorito. Mas, em campo, o que se viu foi um dos maiores chocolates da história da Liga dos Campeões. Os italianos, mesmo sem Baresi, Costacurta, Van Basten e com vários jogadores atuando no improviso, venceu os catalães por inapeláveis 4 a 0, num show inesquecível para qualquer torcedor rossonero e capaz apenas em um esporte como o futebol. A máquina dirigida com maestria por Cruyff simplesmente não jogou e cometeu erros inexplicáveis de marcação, passes e demonstrou muita falta de concentração. Ali, como reconheceu o próprio Cruyff, era o início do fim de uma era.
Após o revés na Liga, Cruyff começou a se desentender com as estrelas do elenco, em especial Michael Laudrup, que não engoliu o fato de ter sido preterido na decisão continental por causa do rodízio e se mandou para Madrid. Romário e Stoichkov também tiveram desavenças com o treinador e deixaram a Catalunha na sequência. Nesse meio tempo, o técnico quase assinou um contrato para dirigir a Seleção da Holanda na Copa do Mundo de 1994, mas o acordo foi cancelado pouco antes do início do Mundial.
O treinador percebeu que era preciso renovar o elenco do Barcelona e o fez já na temporada 1994-1995, quando oito jogadores deixaram o clube e cinco jovens das categorias de base foram incorporados ao time profissional, entre eles seu filho, Jordi Cruyff. No entanto, a equipe não conseguiu manter a força de antes e sucumbiu em todas as competições que disputou, com o ápice da era negra sendo o revés de 5 a 0 para o Real Madrid, fora de casa, no sonhado troco dos merengues ante o maior rival.
Na temporada seguinte, as últimas estrelas remanescentes do Dream Team deixaram o clube, Cruyff não venceu títulos novamente e sua estadia na Catalunha chegou ao fim após relações desgastadas e oito anos de convivência, um recorde de permanência de um treinador no Barcelona até hoje. O adeus ao Barça fez com que Cruyff desistisse de seguir a carreira de treinador para cuidar da saúde e também para virar comentarista e um notável consultor em diversos assuntos futebolísticos, trabalhando para a Federação Holandesa de Futebol, para o Ajax e para o Barcelona, onde sempre foi influente e amado. Nos anos 2000, comandou a Seleção da Catalunha em alguns momentos, mas não fez do trabalho algo fixo. Ele prefere acompanhar o futebol e trabalhar por ele, mas sempre longe dos gramados e com seus ácidos comentários pertinentes ou controversos.
Para sempre uma lenda
Depois da aposentadoria definitiva, o trabalho de Cruyff ganhou ainda mais força com o passar dos anos. A semente que ele plantou lá em 1979, com La Masia, e os ensinamentos transmitidos para diversos jogadores tanto no Ajax quanto no Barcelona refletiram no mundo inteiro. Em 1995, o Ajax foi campeão da Liga dos Campeões da UEFA jogando no mesmo esquema tático de Cruyff e com vários jovens de sua academia. Entre 2008 e 2012, o Barcelona montou seu melhor time da história com mais da metade de seus craques formada em La Masia e comandados por um técnico que aprendeu no campo a essência do toque de bola e do futebol de qualidade: Josep Guardiola, que, em suas próprias palavras, “restaurou e reformou o edifício que Cruyff construiu anos atrás”.
De personalidade forte e uma inteligência marcante, Johan Cruyff se consolidou como um dos principais treinadores da história por pensar além das quatro linhas. Ele foi um dos poucos que deu importância ao futuro e aos jovens, bem como transparecer sua fidelidade à essência do futebol bem jogado e ofensivo que teima em desaparecer em diversos países. Com seu trabalho, ele transformou para sempre a filosofia do FC Barcelona e ajudou o clube a se tornar um dos maiores titãs do planeta em títulos, sócios, torcida e admiradores espalhados pelo mundo inteiro. Que bom seria se o futebol tivesse mais “Cruyffs” por aí, que pensassem no clube, em sua estrutura e na formação de bases sólidas para um futuro promissor. Mas Cruyff só existiu um. E ele foi imortal e total, como jogador e técnico.
futebol interior
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