segunda-feira, 8 de junho de 2015

O apito no pedestal !

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Há tempos sigo um mantra peculiar que faço questão de espalhar para os mais chegados, no intuito de que suas vidas sejam mais leves: para continuar gostando de futebol, faço uma força extrema para ignorar a arbitragem. Porque no momento que voltamos nossa atenção para o juiz – e tudo que existe por trás do apito, estendendo para bastidores do futebol em geral – o encanto tende a morrer. Então, quando vamos ao estádio e sentamos na arquibancada, existe apenas uma alternativa: vestir o véu que vai desfocar todo o resto, deixando cristalinos apenas jogadores, bola e torcida. Assim, e somente assim, eu sou feliz. 

Pois há momentos em que questões maiores se erguem no horizonte sócio-cultural e eis que sou obrigado a abrir um parêntese na minha alienação funcional e debater demandas urgentes sobre o apito e aquele artefato que o envolve e atende pela alcunha de juiz. Porque a recente determinação da comissão nacional de arbitragem para que se puna com cartão amarelo todo jogador que OUSE dirigir a palavra ao árbitro é de uma atrocidade inacreditável, claramente reflexo de uma sociedade autoritária que prefere sempre punir a educar: em vez da conversa, a PALMATÓRIA. O amarelo é a vara de marmelo na bunda do jogador problemático. Afinal, desde cedo somos acostumados assim: se observar uma autoridade, vá na direção oposta. Se a arbitragem brasileira é catastrófica, em vez de melhorá-la, é preferível impedir qualquer faísca de contestação.

Em um ambiente futebolístico claramente marcado pelo PATERNALISMO como é o brasileiro, em que os jogadores se acostumam a ser cuidados como estudantes da pré-escola, sem que qualquer capacidade de decisão seja estimulada, esta diretriz medonha parece contribuir apenas para a infantilização do atleta, colocando-lhe na testa um carimbo: ele é incapaz de ponderar de forma razoável com a autoridade em campo. Assim, uma conversa comedida é colocada no mesmo patamar de uma série de palavrões proferidos enquanto se puxa os cabelos, arranca o uniforme do corpo e toca fogo em si mesmo. Tudo será punido com cartão amarelo.

Quem dera, no entanto, esta fosse nossa única miséria. Porque além de colocarmos o árbitro em um pedestal inatingível, em seu castelo com perfeito isolamento acústico, seguindo esta recente Cartilha dos Bons Costumes também precisamos conviver com o que podemos chamar, de forma eufemista, como alegria enlatada. Só assim é possível definir a proibição de um jogador comemorar um gol sendo divinamente amassado por sua própria gente, sonho de cada torcedor e jogador desde que uma bola começou a rolar em algo remotamente semelhante a um gramado.
Talvez a maior contribuição destas novas arenas ao hábito de assistir uma partida seja a proximidade entre torcida e jogadores, e assim obviamente não demoraria a ser tolhida pela régua CENSORA de quem há anos não deve sentar em uma arquibancada. Nós somos os adolescentes na noite de sábado, e a CBF é a mãe que nos manda chegar às onze da noite. Em ambos os casos, no estádio e na primavera dos hormônios, o instinto de viver nos deixa apenas uma saída digna: desobediência. Pois que cada cartão recebido por comemorar seja celebrado como o despontar do sol numa manhã de domingo aos 17 anos.

Há anos a FIFA se vê em meio ao dilema de usar ou não recursos eletrônicos. Pois a CBF parece avançar neste quesito, tentando transformar os juízes em robozinhos desprovidos de senso crítico e capacidade de discernimento. Mas, para não ser moralmente desautorizada a cada rodada, muito em breve só vai restar à CBF rever suas diretrizes bisonhamente totalitárias. E que isso aconteça logo, afinal preciso voltar a vestir meu véu alienante que permite enxergar com nitidez apenas o que realmente é relevante. 

Douglas Ceconello-Globo.com

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