Por: Rodrigo Gasparini
Há algumas semanas, o Benfica abalou as estruturas do futebol português ao anunciar um contrato milionário com a operadora NOS: € 400 milhões por 10 anos (€ 40 milhões por ano) para transmissão das partidas da equipe em casa no Campeonato Português e para ceder o controle das operações da Benfica TV.
O negócio, tratado à época como o maior da história do futebol português parecia criar um grande problema aos seus rivais Porto e Sporting, que ficariam bem atrás dos encarnados, financeiramente falando. Mas nos últimos dias, os dois clubes deram a resposta e também anunciaram contratos de cifras até então pouco imagináveis.
O Porto fechou com a operadora MEO/Altice por € 457,5 milhões por 10 anos (€ 45,75 por ano). No valor, estão incluídos os direitos televisivos, a publicidade estática no estádio do Dragão (ambos a partir da temporada 2018/19), o patrocínio nas camisas e a transmissão da Porto TV (ambos a partir de 1º de janeiro de 2016).
Por sua vez, o Sporting negociou com a NOS e conseguiu fechar por € 446 milhões por 10 anos (€ 44,6 milhões por ano). O acordo inclui direitos televisivos, publicidade estática em Alvalade (ambos a partir da temporada 2018/19), patrocínio nas camisas (a partir de 1º de janeiro de 2016) e a transmissão e distribuição da Sporting TV (a partir da temporada 2017/18). No comunicado oficial, o Sporting anunciou € 515 milhões, mas a diferença inclui a revisão do contrato atual de direitos de transmissão com a PPTV.
Significa, então, que os principais clubes portugueses estão nadando em dinheiro? Não necessariamente. Assim como foi dito na coluna que analisou o contrato do Benfica, os valores são bastante altos para o mercado local, mas baixos em comparação a países importantes do futebol europeu. Além disso, boa parte do dinheiro demorará alguns anos para entrar e os clubes, principalmente o Sporting, precisam quitar dívidas e melhorar sua saúde financeira.
Desde que os valores dos novos contratos foram revelados, cada time – seja com torcedores ou mesmo com dirigentes – tenta puxar a sardinha para o seu lado, com argumentos de que este negócio foi melhor do que aquele. A verdade é que, cada qual a seu modo, todos foram bons. Mas poderiam ser melhores.
Se ao invés de optarem em negociar individualmente com as operadoras, os clubes conseguissem um mínimo de união para a negociação conjunta, os valores poderiam aumentar – e muito. Mais ainda: poderiam trazer com eles as equipes médias e pequenas, que também passariam a ganhar mais e teriam condições de protagonizar um campeonato mais equilibrado e emocionante, com atrativos além-Portugal (algo que o novo presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, Pedro Proença, tentou fazer, mas não conseguiu).
Os grandes clubes portugueses vão encher os cofres de dinheiro e continuarão dominando o futebol local, com uma diferença de poderio cada vez mais exorbitante em relação aos pequenos. Mas, mesmo com uma injeção tão grande de dinheiro, o futebol português não sai ganhando tanto assim.
CONTRATO DO BENFICA :
Benfica faz negócio histórico com a TV, mas prejudica o próprio futebol português
O futebol português acaba de ver a maior negociação de sua história envolvendo os direitos de transmissão dos jogos do campeonato nacional para a televisão. Paradoxalmente, o futebol português deve ser prejudicado e pode ficar (ainda mais) atrasado em relação aos grandes centros justamente por causa deste negócio histórico.
Nesta semana, o Benfica revelou ter vendido seus direitos de transmissão para a operadora NOS por aproximadamente € 40 milhões anuais. O contrato, que inicialmente é de três anos, mas pode ser renovado por mais sete, começa a vigorar a partir da próxima temporada. Assim, o clube pode faturar € 400 milhões em uma década.
O termo “aproximadamente” foi usado no parágrafo anterior porque ainda não se sabe exatamente qual a quantia que o clube vai embolsar anualmente. No comunicado oficial, tanto o Benfica quanto a operadora revelaram que o contrato prevê o pagamento de € 400 milhões por 10 anos (o que leva à conta óbvia para se chegar nos € 40 milhões), mas que o valor será pago em “montantes anuais progressivos”.
A NOS (que também patrocina o Campeonato Português) é a líder de seu segmento em Portugal e atua nas áreas de TV, internet, voz, dados, distribuição e exibição cinematográfica. É, em suma, uma gigante da área das telecomunicações no país.
Dupla venda
O “golpe de mestre” do Benfica foi ter dois bons produtos para vender. Ao contrário do que ocorre na maioria das negociações de direitos de transmissão, o clube não vendeu somente a exibição dos seus jogos em casa. A NOS comprou também os “direitos de transmissão e distribuição do canal Benfica TV”. Embora ainda não existam dados mais concretos, estima-se que, dos € 40 milhões anuais, € 25 milhões sejam pela transmissão dos jogos e € 15 milhões pela operação do canal benfiquista.
Esta história começou em 2013, quando o Benfica descartou a proposta do canal Sport TV de € 22 milhões pelos direitos de transmissão. Na época, o clube resolveu investir pesado em seu próprio canal, que já estava na grade das operadoras de TV por assinatura, e passar a transmitir com exclusividade os jogos na Luz válidos pelo Campeonato Português.
Com o passar do tempo, o canal foi crescendo, adquiriu o direito de exibir ligas importantes de outros países, mudou seu nome para BTV (numa tentativa de se dissociar da marca do clube e atrair mais assinantes) e virou uma empresa lucrativa. Na temporada 2013/14, a BTV deu lucro de € 17 milhões ao clube. No ano anterior, o derradeiro do último contrato com a Sport TV, o Benfica ganhou € 7,5 milhões.
Ao ter dois bons produtos na mão (o clube de maior torcida de Portugal e um canal de TV lucrativo) e propostas de concorrentes, o presidente encarnado, Luís Filipe Vieira, conseguiu fazer com que a NOS colocasse a mão no fundo do cofre, para garantir o negócio sem precedentes.
Dúvidas
É justamente na relação do novo “dono” com a Benfica TV que começam as primeiras dúvidas sobre a notícia que impactou o futebol português nos últimos dias.
Atualmente, o canal encarnado está disponível tanto na NOS quanto nas principais concorrentes, como a MEO e a Vodafone. Não se sabe, ainda, se isso persistirá a partir da metade do próximo ano, quando o contrato começa a vigorar – embora o contexto histórico mostre ser bem possível que a NOS negocie com as concorrentes a exibição da BTV, pois já faz isso com canais que ela detém a totalidade dos direitos, como Hollywood e Fox.
Outro questionamento que os torcedores/consumidores fazem é sobre como ficará a exibição dos demais campeonatos que a BTV transmite, como o Francês, o Italiano, a Copa do Rei da Espanha e o UFC. O canal também tem os direitos de transmissão do Inglês, mas – coincidência ou não – acabou de perdê-los na próxima temporada para a Sport TV, de quem a NOS é dona de 50% das ações.
Há mais dúvidas. A principal delas é qual será o critério para o pagamento dos tais “montantes anuais progressivos”. Tanto o clube quanto a NOS prometem esclarecer tudo numa entrevista coletiva que está marcada para o dia 10 de dezembro.
Parece bom, mas…
À primeira vista, o negócio fechado com a gigante das telecomunicações parece ter sido excelente para o Benfica. De fato, o clube vai mais do que dobrar seu faturamento com TV, que representa atualmente 34% do seu orçamento.
Para efeito de comparação, o Porto consome 18% do seu orçamento anual com os € 20 milhões que ganha da Sport TV, enquanto os € 15,5 milhões pagos ao Sporting representam 30% do orçamento alviverde.
Mas, numa rápida olhada para os vizinhos europeus, o Benfica verá que o valor que receberá da NOS não é assim tão estratosférico. E nem se trata de comparar com gigantes como Real Madrid (que ganha € 300 milhões anuais), Barcelona (também € 300 milhões) ou Chelsea (€ 134,5 milhões).
O valor que os encarnados receberão é menor do que clubes como Queen Park Rangers (que fatura € 86,9 milhões), Granada (€ 41,3 milhões) e Elche (€ 41 milhões), apenas para citar alguns exemplos.
E se é bom (mas não ótimo, como pode parecer) para o Benfica, a negociação pode ser péssima para o futebol português. O acerto dos encarnados com a NOS é uma derrota da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que tem como uma das bandeiras negociar em conjunto os direitos de TV. O assunto foi até promessa de campanha do presidente da entidade, o ex-árbitro Pedro Proença, que gostaria de fazer em Portugal algo semelhante ao que ocorre na Premier League, da Inglaterra: ou seja, uma distribuição de renda mais justa, na qual os pequenos ganhem o bastante para serem competitivos e os grandes ganhem o suficiente para continuarem gigantes.
Ao seguir o modelo do futebol espanhol, o Benfica dá um passo enorme para transformar-se numa espécie de Real Madrid ou Barcelona de Portugal (ainda que ganhe menos do que o Elche). Mesmo que Porto e Sporting consigam negociar valores melhores a partir da próxima renovação de contrato (que para eles ainda está longe, pois será no início da temporada 2018/19), a disparidade entre eles e o Benfica será grande. E entre o Benfica e os times pequenos será enorme.
Assim, o Benfica pode tornar-se, em pouco tempo, um time que reina absoluto em seu próprio país, mas que não causará medo nos gigantes europeus ao cruzar as fronteiras.
A negociação conjunta dos clubes com as TVs ainda pode acontecer, mas sem a presença dos encarnados ficará bastante enfraquecida. Ao olhar somente para o próprio umbigo, o Benfica faz o futebol português, que muitas vezes já carece de boas atrações internamente, correr o risco de ficar ainda mais modorrento e atrasado.
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