"Eu odeio o tiquitaca. Odeio! Isso é passar a bola por passar, sem qualquer propósito. E não serve para nada. Não acreditem no que dizem por aí: o Barça não tinha nada de tiquitaca! Isso é invenção, não acreditem!"
("Guardiola Confidencial", página 146)
("Guardiola Confidencial", página 146)
“Só tenho uma exigência: todos têm que correr. Vocês podem errar um passe ou uma jogada, mas não podem parar de correr. Se pararem, kaputt, fora do time.”
(Página 39, primeiras palavras no campo, no primeiro treino no Bayern.)
“Senhores, isto que estão vendo é o tiquitaca e é uma merda. Não temos nenhum interesse nesse tipo de posse. É puro desperdício. É passar a bola por passar.”
(Página 184, às vésperas da estreia na Champions League, palavras de Guardiola aos jogadores depois de mostrar imagens em vídeo do jogo contra o Hannover, pela Liga.)
“Ele vive de resultados, como qualquer outro treinador, mas o que realmente lhe dá prazer é a maneira de atuar do time.”
(Página 180, Perarnau falando sobre Pep.)
Meu exemplar de “Guardiola Confidencial” está “imprestável”, tantas são as marcações feitas com um marca-texto amarelo. O livro tem 400 páginas de texto (e, acreditem, é muito pouco, poderia ter mais) e acredito que fiz bem mais de 200 anotações. E deveria ter feito mais.
Desde que li os primeiros comentários a respeito de “Herr Pep”, título original do livro escrito pelo jornalista Martí Perarnau, tive total certeza que iria adorar o livro, que iria, como irei e como já fiz com muitos trechos, ler e reler e reler... É o que podemos chamar com total acerto de “livro de cabeceira”.
Não esperem um livro sobre futebol. Ele é só sobre futebol.
Como assim? Que contradição boba é essa?
Sendo apenas e tão somente sobre futebol, esse livro é muito maior que o futebol. Primeiro, porque como costumamos falar, os que amam esse esporte, futebol é vida. Segundo, porque é a vida em seus mais diversos aspectos que permeia tudo no livro.
Alguém poderá dizer que é um livro sobre como se relacionar com pessoas. Correto.
Outro poderá dizer que é um livro sobre liderança. Correto.
Ainda outro dirá que é um excelente texto sobre táticas de futebol. Correto.
Muito pouco tenho de engenho & arte para falar sobre esse livro, mas atrevido e pretensioso, digo que ele ao invés de ser muitos livros é um multilivro, fazendo um paralelo com o gosto de Guardiola por jogadores multifunções ao invés de muitos jogadores.
Bom, deixando meu atrevimento para trás, Pep gosta de jogadores capacitados a exercerem diferentes papéis em campo. Um jogador pode ser mais de um. Há muitos motivos para isso, como vocês lerão, mas um deles é simples: ele gosta de trabalhar com poucos jogadores. Então, precisa que esses poucos possam valer por muitos.
Pep chegou ao Bayern depois de uma passagem pelo seu amado Barcelona que foi fulgurante, brilhante, legendária na acepção perfeita dessa palavra. Tinha pela frente o maior de todos os desafios: fazer mais do mesmo, mas diferente.
O Bayern trouxe Guardiola depois de sua mais brilhante temporada, comandado por Jupp Heynckes, quando ganhou tudo. Por tudo, entenda-se Champions League, Bundesliga e Copa da Alemanha.
Agora, o Bayern queria mais do que continuar ganhando, queria criar e imprimir uma marca para o seu futebol. Algo que Paul Breitner, eterno ídolo do clube bávaro, chamou de terceira etapa da transformação do Bayern Munique. Essa criação ainda está em desenvolvimento.
Guardiola é muito medroso (está no livro, não se assustem) e isso vem desde que era jogador. Era “magro, franzino e lento”, mas inteligente. “Consciente de suas fraquezas, Guardiola se dedicou a aprimorar suas virtudes.” Tem medo de perder. Tem medo de sofrer gol. Por isso... Joga no ataque. Não quer ver o adversário rondando sua área.
“Enquanto jogador, já cultivava os valores do técnico que viria a se tornar: ante o temor de ser atacado, a estratégia era atacar, evitando o jogo de choques através do passe, fazendo a bola circular em velocidade.”
O jogador Pep, “cria” de Cruyff que buscou-o na base do Barça, explica muito, quase tudo, do treinador Guardiola. Inclusive sua ausência do vestiário, tanto no Barça como no Bayern. Ele só vai ao vestiário nos intervalos dos jogos, para falar do que viu e fazer alguma mudança para o segundo tempo:
“Quando (ele) era atleta, não gostava que seus técnicos invadissem esse ambiente; ao se tornar treinador decidiu respeitar esse princípio.”
O treinador Guardiola, como muitos outros, se preocupa com tudo, como, por exemplo, a alimentação dos atletas. Tao logo chegou pediu e conseguiu a contratação de uma nutricionista. Jogando duas vezes por semana, os atletas não têm tempo para recuperação – esse ponto, por sinal, está muito bem analisado no livro – e comer bem, corretamente, logo após os jogos é fundamental para auxiliar a recuperação física. Fácil de falar, meio difícil de implantar, mesmo no Bayern e seu elenco de fantásticos profissionais.
A exemplo de outros grandes treinadores europeus ele não fica criticando e chorando diante da dureza de mais de vinte semanas consecutivas jogando duas vezes por semana. Trabalha para diminuir os efeitos negativos dessa carga. Fica a dica para os profissionais brasileiros.
Vemos, também, que Pep Guardiola não tem frescura – desculpem o termo, mas é o mais indicado – alguma em se relacionar com o pessoal do marketing. Recém-chegado, Pep fez um comercial para uma cerveja, patrocinadora do clube, vestido com alederhosen (aquela calça curta com suspensório, típica da Baviera). Inquirido a respeito, disse que sua esposa, Cristina, gostou e falou sobre a participação e a política de ações promocionais no clube:
“Não tem problema nenhum, porque o que é importante para o clube também é importante para mim.”
Bem diferente de prima-donas brasileiras, tanto as que sentam nos bancos como, principalmente, atuam nos gramados.
Perseguindo? Não mesmo, estou apenas apontando algumas diferenças.
4-3-3... 3-3-1-3... 4-4-2... 3-3-3-1... 3-4-2-1...
Sim, os números, tão apaixonantes para muitos torcedores, também estão presentes, sempre facilitando a compreensão inicial da formação que se pretende. Em muitos pontos a discussão tática se prolonga por páginas e páginas e nessas horas um pouco de conhecimento do Bayern e de seus jogos será importante.
Mesmo que você não tenha assistido a muitos jogos do time, não se preocupe, a internet é pródiga em compactos e até mesmo jogos inteiros para assistir.
Em diversos momentos, terminamos um parágrafo ou um capítulo pensando algo como – “Ah, mas isso é tão óbvio, tão simples...”.
Pois é. Óbvio e simples depois que conhecemos, mas não antes. A genialidade está na percepção do simples em meio ao emaranhado.
Assim foi, por exemplo, com a conversa de Guardiola com Messi, antes de um jogo contra o Real Madrid. Não vou relatá-la, precisa ser lida em seu contexto mais amplo. Assim como várias outras passagens e sacadas.
Em diversos momentos da leitura parei meio chateado. Não com o livro ou com o Pep ou com o Perarnau, mas com a realidade.
Isso aconteceu quando se falou das influências que marcaram Pep, dos grandes treinadores, do desenvolvimento de funções dentro de campo... E o Brasil nunca estava presente nessas citações e lembranças.
Pelé é nosso, como nossos são cinco títulos mundiais.
Além de Sua Majestade produzimos uma plêiade de fantásticos jogadores, gênios até alguns deles, mas aqui começa e termina nossa contribuição. Fica cada vez mais difícil ouvir sem discordar com veemência quando alguém ainda se refere a nós como “terra do futebol”. Fomos e somos a terra de Pelé, responsável por essa imagem. Não é pouca coisa, mas é menos do que muitos ainda imaginam.
Martí Perarnau, o autor,viveu um ano no Bayern e com o Bayern. Teve acesso a tudo, conversou com todos com quem quis conversar, viajou com o time, tomou café da manhã, almoçou, jantou, ouviu Pep, ouviu jogadores, dirigentes, adversários...
Martí é um profissional de múltiplas habilidades. Foi atleta olímpico, é jornalista, tem uma agência de propaganda e é competente gestor, também. Se fosse jogador de futebol faria o tipo que Guardiola gosta e vocês verão no livro.
Seu texto nos coloca na cadeira, na sala de vídeo do Bayern, ouvindo Pep. Ou na cadeira do restaurante, com amigos e familiares do treinador, conversando com ele sobre o jogo da tarde ou da noite. Saímos do meio do grupo de jogadores ou do lado de Pep quando Perarnau faz uma panorâmica sobre os clubes e competições, sobre momentos, situações, pessoas. Em síntese, é daqueles livros que a gente começa a ler e para a leitura muito a contragosto, pensando na injustiça que é não poder ler o livro inteiro, de cabo a rabo, numa só sentada.
Em resumo: baita livro, leitura obrigatória.
Em tempo: Pep Guardiola chegou ao Bayern em 2013 com 42 anos de idade.
Christian Streich, bom treinador do Freiburg, deu uma declaração impressionante sobre o Bayern que acabara de derrotar sua equipe, numa das rodadas iniciais da Liga, terminando assim:
“Este Bayern será impressionante. E Guardiola é fora do comum: o que conseguiu com apenas 42 anos é formidável.”
O livro termina retornando ao seu começo. Um grande final, mas não o leiam antecipadamente, por favor. Esperem por ele.
Boa sorte, Grande Área
“Guardiola Confidencial” é o primeiro livro da Editora Grande Área. Admiro a coragem e a determinação do pessoal, começando uma empresa em momento tão complicado de nossa vida como nação.
Começaram muito bem, sem dúvida, o que já ajuda muito. Na lista de lançamentos está o livro “Mourinho Rockstar” e “Franz. Jurgen. Pep”, analisando a evolução do futebol alemão tática e tecnicamente, entre outros. Novas leituras obrigatórias, inclusive o livro sobre o “Special One”, figurinha chata, mas extremamente competente, sem a menor dúvida.
Desejo boa sorte ao pessoal. Muito sucesso e que venham novos livros.
por Emerson Gonçalves-globo.com
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